Funil não é suficiente para escalar um produto

Muitos times de produto podem nascer inspirados pelas métricas pirata mas, para que se diferencie, o funil precisa evoluir para um loop (ou vários loops)

Funil não é suficiente para escalar um produto
Photo by Peter Ivey-Hansen / Unsplash

Muitos times de produto podem nascer inspirados pelas métricas pirata mas, para que se diferencie, o funil precisa evoluir para um loop (ou vários loops)

Quem não gosta de um funil, não é verdade? Por muito tempo, ele tem sido uma das formas mais transparentes de entender a jornada ponta a ponta de um produto.

Com o passar dos anos, o clássico conceito de funil de awareness-interesse-decisão-ação passou a ser revisto de diversas formas dentro do Marketing, expandindo de formas diferentes para outras áreas.

No universo de produto, o funil tem um papel semelhante: ele permite entender os passos de uma jornada em que a finalidade pode ser uma conversão, uma venda ou a contratação de um serviço.

Só que cada etapa representa uma ação, e cada ação pode ser formada por um conjunto de outras… ações.

A ideia não é comparar marketing e produto, mas mostrar como a ideia de um funil ajuda a viabilizar a construção de alguns times. Com o passar do tempo, porém, o entendimento profundo do produto tende a levar aos loops, em que o conjunto de ações deixa de ter uma finalidade única para tornar-se cíclica.

Métricas pirata como ponto de apoio

Com o conceito de métricas pirata, ou AARRR, muitos líderes de produto tiveram uma espécie de ponto de apoio tanto para olhar para um produto, como para montar os times.

Imagine que você seja o Head de Produto de uma startup, que está crescendo em alta velocidade. Com o crescimento, vem a necessidade de criar mais times. Digamos que se trata de uma transportadora com todo o acompanhamento digital. Para comportar este crescimento, as métricas pirata podem servir como ponto de apoio para criação dos primeiros times de produto, como:

  • Squad de aquisição: ficaria responsável por fazer com que o produto seja conhecido por potenciais leads. Trabalha bem próximo ao time de marketing e vende a solução da transportadora como a melhor do mercado, a fim de atrair mais usuários;
  • Squad de ativação: com objetivo de ajudar esses usuários a entenderem o produto, para que o utilizem no dia a dia;
  • Squad de retenção: responsável por criar os gatilhos para que o produto seja utilizado, sempre de acordo com os objetivos de negócio;
  • Squad de receita: garantir que as transações sejam feitas nos momentos-chave e com a experiência mais simplificada possível;
  • Squad de recomendação: para que os usuários consigam trazer mais pessoas, com programas de incentivo ou outras iniciativas que ajudem a fazer com que o produto seja mais conhecido no mercado.

Dessa forma, cada time de produto olha para uma métrica em específico, independente da construção de features. É uma forma legítima de dar mais autonomia aos times, por mais que possam haver overlaps em algumas iniciativas.

O problema do funil como forma de separar os times

Em um primeiro momento, cada squad fica responsável por uma métrica estratégica, elencando iniciativas que potencializam cada uma dessas frentes.

Não há nada de errado em iniciar a divisão de times com as métricas pirata. A coisa complica conforme os produtos se tornam mais complexos.

Com o aumento de volumetria e investimento em outras oportunidades, o conceito de métricas pirata pode acabar confundindo e até mesmo criar alguns silos dentro do time de produtos.

"Um framework de funil é muito micro de uma visão que busca responder “Como seu produto cresce?” Ajuda a explicar um passo específico, como um loop de crescimento, mas perde de vista a amplitude do loop por si só. Quando o funil é aplicado a nível de uma companhia e utilizado para explicar como um produto cresce, tende a levar a alguns problemas".

Brian Balfour, Casey Winters, Kevin Kwok, Andrew Chen - Growth Loops are the new funnels (Reforge)

De fato, o escalonamento de um time de produtos tende a trazer muita complexidade. Sem falar que uma squad ou tribo dificilmente mexerá apenas um ‘ponteiro’ do negócio.

A complexidade aumenta ainda mais quando consideramos que uma empresa não é composta apenas por times de produto: o silo pode afetar a relação com stakeholders de outras áreas, como Marketing, Comercial, Customer Success etc.

Dessa forma, a responsabilidade por uma etapa do funil já não atende ao que a empresa realmente necessita.

Por isso mesmo, as métricas pirata podem servir como um bom ponto de partida, até mesmo para que se crie a cultura de responsabilidade por uma etapa importante do negócio - sempre alinhado com as demais áreas, vale ressaltar.

Com o passar do tempo, porém, os squads e tribos terão mais interdependência e podem muito bem criar os seus próprios funis para atacar diretamente os problemas endereçados. Isso pode representar mais um funil dentro de uma das etapas do AARRR, ou até mesmo a revisão total do conceito de métricas piratas dentro do contexto da sua empresa.

Funis no contexto de time

Em outras palavras, um funil como AARRR pode até ajudar nas primeiras separações de time. Mas, com o passar do tempo, os próprios times terão que criar os seus próprios funis para resolverem seus problemas.

Os motivos são variados: o negócio tende a se tornar mais complexo (as chamadas dores de crescimento), a estratégia de produto pode ter um novo direcionamento etc. Mesmo porque, para chegar a um objetivo, muitas vezes é preciso criar uma trilha até movimentar o ponteiro necessário.

Peguemos uma empresa conhecida, como o QuintoAndar, para entendermos como isso pode ser aplicado. Em uma primeira separação de times, ficou definido que haveria uma squad responsável em lidar com aquisição - que, dentro do seu modelo de negócio, seria fechamento de contrato.

Com o crescimento da empresa e a consequente complexidade do negócio, houve a necessidade de ter um time focado em maior liquidez dos anúncios, cujo objetivo é o maior fechamento de contratos.

O QuintoAndar, como uma empresa unicórnio (avaliada em mais de US$ 1 bilhão), entendeu a necessidade de criar um funil próprio para a aquisição - com o objetivo de fechar mais contratos e, assim, aumentar sua receita.

Já com bom entendimento da jornada dos usuários, o time de liquidez sabe que as visitas presenciais fazem parte do processo de fechamento de um contrato. Com a devida maturidade, o time de liquidez pode muito bem criar o seu próprio funil, que poderia se traduzir da seguinte forma:

Por conta de sua complexidade, algumas dessas métricas podem ter dependências com outros times - por exemplo, a quantidade de visitas presenciais pode ser afetada pelo time de Cadastro, focado em gerar leads.

Mas a finalidade está bem clara, que é o fechamento de contratos. Dessa forma, o time de liquidez sabe como a jornada é feita e pode trabalhar em iniciativas com a finalidade de fazer com que mais pessoas fechem contratos, ou seja, se tornem locatários na plataforma.

Como sair do funil para algo mais estratégico?

Como deu para perceber, o funil deixa bem claro uma finalidade que precisa ser atingida. E ele ajuda bastante na comunicação com outros stakeholders, principalmente quando a jornada já está bem estabelecida.

Com a complexidade dos times, as finalidades podem se multiplicar e, quando se tem uma organização inspirada no AARRR (ou qualquer outro tipo de funil), a tendência é que os times se tornem silos. Aí, quando houver algum tipo de interdependência, a coisa pode complicar bastante - principalmente se a empresa decidir trabalhar com metas por time, por exemplo.

Para lidar com esse tipo de problema, porém, não existe bala de prata. Os diretores de produto têm o desafio de criar uma unidade, que pode ser traduzida em uma north star metric que se desdobra com os demais times ou pensar no negócio como um loop, ou um ciclo, em que tudo está relacionado.

Para criar essa lógica, é preciso ter pleno conhecimento de como o negócio funciona como um todo. No exemplo do QuintoAndar, uma squad já é complexa o suficiente para lidar com um funil. Mas, quando se trata de escalar o negócio, é preciso compreender o que faz com que os usuários não apenas fechem contrato, mas se mantenham fiéis e recomendem o serviço para outras pessoas.

Em meados de 2009, a McKinsey apresentou o que seria um dos primeiros modelos de loop, que ajuda no direcionamento estratégico da companhia:


Em resumo, pelo conceito de loop apresentado pela McKinsey, não dá pra pensar em aquisição a todo o momento que o usuário considerar um tipo de compra.

A jornada precisa ser boa o suficiente para que, sempre que o usuário pensar em transacionar, priorizar a sua companhia.

Entende-se, então, que se trata de um processo contínuo - e não com a finalidade única, como dá a entender a base do funil.

No mundo de produto, a Reforge aprimorou este conceito de loop, criando uma divisão de input e output como um ciclo que, quanto mais se repetir, mais beneficiará o produto.

De forma semelhante (e mais simples) do que o exemplo da McKinsey, fica claro que um novo usuário precisa ter apego o suficiente para voltar ao produto. No meio do caminho temos as ações, que devem levar ao objetivo, mas o pulo do gato está no output, que tem como principal objetivo dar retorno fácil para o input.

Dentro de um e-commerce, por exemplo, isso pode se traduzir com o usuário priorizando a loja sempre que considerar uma compra - ilustrado pelo conceito de trigger pela McKinsey.

Já em um produto como o QuintoAndar, os outputs podem ser múltiplos: precisa prover uma experiência boa o suficiente para o usuário voltar a fazer negócio, caso queira mudar de imóvel nos anos seguintes; e contar com um sistema de recomendação que permita o usuário influenciar positivamente para que outras pessoas considerem alugar ou comprar pela plataforma.

Esse caso do QuintoAndar mostra que uma mesma companhia pode contar com vários loops diferentes para atingir seus objetivos estratégicos.

Uma plataforma complexa, como a Airbnb, pode considerar múltiplos loops para que o seu negócio se torne sustentável: primeiramente, ela pode iniciar com um loop viral, com objetivo de gerar mais convites; ter um loop que facilite a criação de conteúdo, entre outras.

Quando aplicado da forma correta, com bom entendimento de todas as etapas do produto, os loops podem combinar a forma com que o produto, os canais e a forma de monetização operam dentro de uma estrutura. Isso pode ser visto até mesmo como um diferencial competitivo, permitindo à empresa adotar e pivotar estratégias em busca do crescimento contínuo.

Conclusão

O funil ajuda a ter visibilidade das principais métricas que precisam ser atingidas. De início, podem servir como alavanca importante para atingir os objetivos, auxiliando até mesmo na construção dos times de produto.

Com maior complexidade de negócio, porém, é preciso encontrar o círculo virtuoso ideal, geralmente na forma de um loop, onde a finalidade tende a não só à retenção, como à aquisição de novos usuários.

Para isso, é necessário entender quais são os gatilhos do seu negócio, dando autonomia aos times de produto para poderem trazer valor efetivamente. Isso pode levar tempo, porque exige maturidade. Entretanto, pode se tornar um diferencial competitivo importante, ajudando a tornar o negócio como um todo mais escalável e sustentável.

Referências