Uma das grandes vantagens, quase uma espécie de benção mesmo, do mundo digital (ou software) é poder viver no mundo das possibilidades, por assim dizer. É não ter que convergir a uma especificação de produto que selará, em boa parte, o destino do mesmo, o que é um grande desafio do mundo de produto hardware.
Isto é parte do que está por trás de todo o hype sobre agilidade, “pivotagem”, e coisas do tipo. É também o que faz com que seja menos crucial ter uma estratégia matadora de antemão, e permite que se possa colocar muito mais ênfase na execução, desde que acoplada com mecanismos adequados de reflexão e com a devida retroalimentação (feedback) em processo contínuo de descoberta (discovery).
Como quase tudo na vida, nem tudo são flores, e há aspectos negativos, como trade-offs, que devem ser apropriadamente considerados e balanceados. Contrariando o poeta (Fernando Pessoa)...
“Nem tudo vale a pena, pois mesmo que a alma não seja pequena”... seguramente sua capacidade de execução é, quem sabe não necessariamente pequena, mas certamente limitada.
Mesmo diante deste cenário e desta realização, ainda assim eu acredito que devemos procurar beneficiar-nos o quanto possível da oportunidade que é viver neste mundo digital, onde as possibilidades são virtualmente infinitas. E neste sentido, acredito ser um bom conselho e filtro de decisão que a primeira reação de uma pessoa de produto seja:
Comece com o ‘SIM’
Isso mesmo, comece com o “sim” e eu vou sugerir alguns motivos:
- Engaja ao apresentar uma atitude positiva quanto às ideias e opiniões dos outros;
- Todos nós queremos estar certos, e parte do papel do PM, como eu vejo, é saber conduzir esta tendência humana de forma que seja canalizada ao que interessa mais, que é resolver o problema que nos dispomos a resolver;
- A função de PM é estar como dono de um produto, o que é muito diferente de ser o dono da verdade.
E eu poderia dar outros exemplos do porquê “começar com o sim” é um bom padrão. Mas acho que vocês já pegaram o espírito da coisa...
MAS, e é um grande “mas” mesmo, é crucial que isto não seja mal compreendido a ponto de que se arrisque perder o foco e o senso de prioridade. Se não, podemos cair na velha armadilha de que:
Quando tudo é prioridade, NADA é prioridade (na prática).
Por isso é importante que nós, enquanto pessoas de produto, sejamos os guardiões não só do processo de priorização como tal, mas da clareza de como isto é construído de forma que também seja transparente para os stakeholders. Desta forma, podemos educá-los ao polidamente dizer: “sim (isto faz sentido ser considerado), MAS NÃO AGORA, pois..:”
- “Precisamos primeiro gerar algumas evidências que nos ajudem a entender melhor se o desejo exposto representa uma (possível) real necessidade”;
- “Estamos com (praticamente) toda nossa capacidade direcionada a outra ação (ou múltiplas ações, mas espero que não muitas em paralelo) onde já estava mais claro o potencial e a necessidade”;
- “Já priorizamos esta outra ação justamente trazida anteriormente pela vossa senhoria, minha cara stakeholder” – o que pode gerar uma bela outra oportunidade educativa sobre qual deve ser levada a cabo primeiro e porquê!;
- ... “n” outras razões que vão na linha de evitar espalhar o foco e a clareza do que se está entregando agora.
Operar desta forma traz uma clareza e transparência ao processo que, embora inicialmente possa gerar atrito, tende à estabilidade e vale a pena no longo prazo. Sempre lembrando que um efeito prático do mundo digital e suas possibilidades virtualmente infinitas, é justamente entender que estamos num jogo infinito...
“There is no such a thing as a ready product!”
Pois é, como bem diz a frase acima, não existe produto pronto, e existem diferentes níveis de amadurecimento de compromisso. Uma coisa é reconhecer uma ideia como válida e potencialmente valorosa até, e quem sabe mesmo iniciar meio que imediatamente alguma atividade ligada a discovery, mas isto não deve ser interpretado necessariamente como um compromisso de entrega (delivery). Este desacoplamento traz, além de clareza e a transparência já mencionados, estabilidade na entrega enquanto mantém flexibilidade para mudar o curso sempre que necessário.
Existem padrões úteis e técnicas para fazer isto acontecer na prática. Pretendo aprofundar neste tema em momento oportuno em artigo posterior aqui. Mas mesmo essa frase, um tanto simples, já serve com uma heurística habilitadora:
Comece com o “SIM”, porém aprenda a dizer “MAS NÃO AGORA”.
E tal heurística é objetivamente mensurável através da resposta de perguntas como - Você começou com o “sim”? Ou seja, reconheceu, engajou e colocou no processo de funil para eventual descoberta (discovery)? E despendeu suficiente esforço para analisar e eventualmente sintetizar, antes de iniciar o processo de entrega (delivery)?
Se analisarmos os questionamentos acima, podemos concluir que é algo prático e que você pode começar hoje. Aprendendo enquanto faz, testando, detectando (o que funciona e o que não funciona?) e respondendo (padronizando o que está funcionando bem). Afinal, “o feito é (sempre) melhor que o perfeito”...