Metas moldam comportamentos

Não é rara a criação de metas sem sabermos o que queremos responder. Como criamos metas a partir de indicadores que moldam comportamentos?

Metas moldam comportamentos
Photo by Randy Fath / Unsplash

Indicadores

Uma das primeiras lições aprendidas  no mundo corporativo é que indicadores são amplamente usados para monitorar resultados e provar a performance . Gráficos, painéis, relatórios e matrizes sempre serviram para dizer quais os resultados atingidos, e apoiar a  tomada de decisão para possíveis novos cenários.

Muitos painéis, utilizados para medir KPIs (Key Performance Indicators, ou Indicadores chave de performance em português), são construídos para gerir um negócio, uma área ou um produto. Às vezes, pode ser questionável se esses painéis realmente facilitam na tomada de decisão e acompanhamento. Isso porque, não é rara a  criação de metas para tudo dentro das empresas sem saber o que queremos responder com o indicador. Ao invés dessas metas ajudarem a entender o caminho para melhoraria, apenas acompanhamos os números para que o famoso "target" seja atingido, esquecendo então os motivos pelos quais criamos o indicador.

Outro aspecto intrigante sobre os indicadores, é de como o sistema corporativo se desenvolveu para que as metas nos controlassem. Empresas medem suas equipes pelos resultados atingidos em determinados indicadores, passível de reconhecimento ou punição, para aqueles que não chegaram no “target”. Com esse contexto em mente, onde as metas são usadas para determinar a nossa remuneração, como será que agimos e nos comportamos para atingir tais resultados? Não é difícil de imaginar como as metas controlam nossas atitudes. Pensando em situações em que buscar o número é mais importante do que questionar se o que estamos fazendo é o correto, a expressão “os fins justificam os meios” até que faz sentido.

Comportamentos

Pensando na prática, no segmento de telecomunicações você já teve a infeliz experiência de estar falando com algum atendente e a ligação cair repentinamente? Muitas empresas desse setor utilizam o TMA (tempo médio de atendimento) como uma métrica para saber a performance de suas equipes de atendimento ao cliente. Definir uma meta onde o tempo máximo de atendimento não pode passar de alguns minutos, obriga atendentes a “derrubar” a ligação para não comprometer o indicador, seus resultados e, possivelmente, a remuneração.

O triste desastre de Tenerife foi o maior acidente aéreo da história da aviação com 583 vítimas fatais e teve por trás uma meta como uma das suas causas. A empresa KLM tinha na época a meta para que seus pilotos não ultrapassassem o número máximo de horas de trabalho, com possível punição se isso acontecesse. Em uma série de atrasos que ocorreram em um dos voos, o piloto estava preocupado com sua meta e acabou tomando decisões que custou muitas vidas, incluindo a dele. Vou deixar o vídeo do canal "Aviões e Músicas" explicando os detalhes do acidente para vocês tirarem suas próprias conclusões.

Canal Aviões e Músicas - Tenerife

Com esses exemplos em mente, é preciso  refletir o quanto as metas estão moldando os nossos comportamentos.

Como fazer?

Uma boa recomendação que fazemos aos nossos clientes, é sobre ter clareza de quais respostas queremos que os indicadores nos ajudem a encontrar. A estrutura dos OKRs (Objective and Key Results, ou Objetivos e Resultados Chave em português) foi sabiamente desenvolvida para que seus resultados chave (KRs) respondessem se estamos atingindo o nosso objetivo (propósito). Para a construção do Objetivo, precisamos primeiro nos perguntar quais os problemas e dores queremos resolver, e com os KRs definimos as métricas que mostrarão o caminho, formando assim o nosso OKR.

Vamos fazer um exercício com o exemplo do TMA, citado acima. Se questionarmos os porquês dessa métrica, provavelmente chegaríamos a algum problema relacionado ao número de reclamações dos clientes com nossos produtos ou serviços. Nesse contexto, o TMA, isoladamente, não seria o mais adequado para acompanharmos a evolução das reclamações. O que é melhor: atender rápido ou resolver o problema do cliente? Com isso em mente, teríamos outras métricas que, combinadas, poderiam nos indicar o caminho mais adequado, como a First Call Resolution (resolução na primeira ligação), o CES (Customer Effort Score), o CSAT (customer satisfaction) ou a simples nota do site "Reclame aqui", que por ser um órgão externo, tira qualquer viés interno ou manipulação por ser gerido fora da empresa.

Conclusão

Medir pessoas ou departamentos por um único indicador é um caminho muito arriscado e perigoso, pois como vimos, comportamentos serão estimulados se não associarmos bem quais os problemas que queremos resolver. Comunicar com clareza os problemas e dores que os indicadores irão ajudar a acompanhar, é o caminho mais saudável para que as pessoas entendam os motivos por trás de suas ações. Associar metas individuais ao pagamento de bônus e remuneração tende a estimular comportamentos e atitudes questionáveis.

Fica aqui o nosso convite para que você revise suas metas e tenha clareza dos motivos por elas existirem. O que elas estão respondendo? Quais problemas queremos provar que estamos resolvendo? Por que criamos essa meta mesmo? Questione, meça, acompanhe e melhore. Quase como um ciclo PDCA (plan, do, check e act), as metas devem possuir esse mantra de nos guiar através do aprendizado e da melhoria contínua e não nos controlar para que atinjamos os resultados a todo custo, afinal, os fins não devem justificar os meios.