Priorização por decibéis​

Muito se discute sobre métodos de priorização, afinal saber onde focar e no que dar prioridade é um importante atributo de quem trabalha na área de produto

Priorização por decibéis​
Photo by Alexandre Debiève / Unsplash

Muito se discute sobre métodos de priorização, afinal saber onde focar e no que dar prioridade é um importante atributo de quem trabalha na área de produtos. E dentre os muitos métodos conhecidos, talvez tenha um que todo PO/PM tenha passado: a priorização por DECIBÉIS!

Esta priorização é baseada em quem consegue trazer em mais alto tom a ordem de priorização, geralmente vem acompanhada da solução pronta e bem formatada, bem como um direcionamento totalmente claro do que deve ser feito e como deve ser feito, e sim, frequentemente acompanha um prazo curto e necessidade rápida de implementação.

Outra característica marcante é que este método é comumente utilizado por diversos stakeholders e em diferentes organizações, a variante do peso da priorização pelo decibéis é por muitas vezes atrelada ao cargo de quem forneceu a solução pronta, e quanto mais alto o cargo dessa pessoa maiores as chances deste item passar na frente dos demais do backlog.

Uma experiência com esse método

Tive a oportunidade de conhecer de perto este tipo de priorização. Havia um produto recém lançado e um dos KPI era a conversão. Realizando os devidos acompanhamentos, identificamos em seu funil de conversão que os clientes não davam continuidade em certa etapa, como este produto tinha duas funções  principais (função ‘A’ e função ‘B’), não finalizar a função B não significava diretamente o não uso do produto, significava apenas o não o uso completo e com 100% de aproveitamento.

A fim de entender o motivo pelo qual os usuários não prosseguiram no fluxo, sugerimos realizar um discovery ouvindo o cliente, tanto com ligações e mensagens para central de atendimento como fazendo entrevistas diretas para identificar a dor exata. Algumas hipóteses foram levantadas e estávamos seguindo para responder se elas eram ou não o real problema dos usuários.

Contudo, antes de conseguirmos dar total prosseguimento com esta proposta, um dos C level’s trouxe a  ideia de adicionar a funcionalidade “xpto” no fluxo do usuário, a afirmação sobre a eficácia da funcionalidade era clara para o C level, havia uma certeza muito grande que isto resolveria de uma vez por toda a nossa conversão (e que só não tinha resolvido antes porque não tínhamos seguido a ideia dada há muito tempo).

Visto a quantidade de decibéis de outras áreas sobre a solução do C level (além do próprio), e a dificuldade em argumentar sobre o processo de discovery e o tempo que levaríamos para solucionar por completo a baixa conversão, tivemos que seguir com a entrega dessa funcionalidade. Esta entrega entrou na frente do desenvolvimento de outras coisas e reduziu o esforço geral para o discovery.

Sendo este o cenário, como time buscamos extrair mais métricas e informações para termos mais embasamento para nosso produto e para os demais stakeholders também. Então, vimos que o esforço para nova funcionalidade não era alto, e junto dela  adicionamos um teste A/B, ou seja, parte do fluxo dos clientes via a funcionalidade e outra parte não …. e sabe o que descobrimos?

Que a nova funcionalidade não trazia melhorias na conversão, sendo o percentual de conversão similar dos usuários sem a funcionalidade. Logo, a possível dor do cliente apresentada pelo C level bem como sua proposta de solução não mudaram o ponteiro e novas hipóteses tinham que ser levantadas.

Contudo, as novas hipóteses/propostas de solução precisavam de embasamento. Então continuar com o Discovery, envolver outras áreas como: comercial, cx, atendimento, além de ouvir o cliente através de reviews era um bom caminho.

O objetivo era estar mais próximo da pessoa afetada (ou quem tem contato mais direto) a fim entender se de fato o usuário queria usar a outra função do produto ou se ela tinha dúvidas em como finalizar o processo para usar a outra função, ou ainda quem sabe ser algo nem imaginado pela área de produtos.

Sessão aprendizado

Apesar da tensão daqueles dias, o aprendizado ficou, não apenas em uma pessoa específica, mas em todos os envolvidos. Assim, a área de produtos, negócios, comercial entre outras  aprenderam sobre entender o cliente, sobre analisar entregas em produção e como é importante priorizar de forma diferente de decibéis, a fim de não termos um esforço que não nos leve a algum retorno.

Ficou também o aprendizado de que hipóteses podem vir de diversos lugares e o fato de vir do chão de fábrica ou da alta diretoria não faz aquela hipótese melhor ou pior, ela é ainda uma proposição que precisa ser validada, e quanto mais rápido ela é testada, mais rápido temos aprendizado sobre o produto e como direcioná-lo em busca ao alvo desejado.

Aprendemos também que um discovery é importante, mas colocar em prática as hipóteses que descobrimos é essencial para entrarmos no que o Eric Ries chamada de ciclo construir-medir-aprender, com o mínimo de esforço e o menor tempo de desenvolvimento a fim de validar ou invalidar determinada hipótese junto ao usuário real. Afinal, só poderemos ter sucesso se formos capazes de descobrir que partes dos planos estavam funcionando muito bem e que partes estavam mal orientadas, adaptando as estratégias e o produto.

E o que fazer se tiver decibéis?

Posso começar dizendo o que não fazer: Não surte!

Passado este primeiro passo, existem algumas coisas que esta (entre outras) experiência me ensinou com demandas prontas que ganham pelos decibéis e compartilho aqui:

1 - Inteligência emocional

Quanto seres humanos somos composto não apenas de racionalidade, mas também de emoção, em situações em que as priorizações não parecem seguir uma linha lógica e há em muitos casos alto grau de interferência, se conhecer e o conhecer com quem estamos trabalhando é sem dúvida essencial para manter a mente focada no bom trabalho e não gerar stress e furor desnecessário.

Há um provérbio que diz que com calma se persuade a autoridade e que a língua branda quebra até os ossos, e vejo como isto é real em situações onde nem sempre conseguimos controlar e organizar da maneira que desejamos, que é precisamos acalmar nossa mente para pensar e criar estratégias positivas.

E a inteligência emocional trabalha tanto interno (o nosso eu) como o externo (os outros), bem como trabalho o que vemos e sentimos (consciência) como nossas ações, e para trabalhar em ambientes tão desafiadores é preciso desenvolver esta matriz emociona, também conhecida como 4 pilares da inteligência emocional.

Imagem : https://leads2b.com/blog/pilares-da-inteligencia-emocional/

2 - Teste card / Learn Card

Um dos recursos bem interessante para ser utilizado em situações de decibéis é o Test Card, ele é algo simples para deixar visível a todos os envolvidos as propostas que acreditamos, o que teremos que medir sobre essa proposta, bem como medir e nossa métrica para considerar o sucesso.

E com o Learn Card conseguimos entender o que conseguimos observar e aprender quanto a propostas que acreditávamos e colocamos esforço, bem como ter uma parte de decisão dos próximos passos que desejamos seguir após nossas descobertas.

A seguir deixo um exemplo desses cartões:

3 - Teste A/B

Outro recurso interessante é o teste A/B, ele requer um pouco mais de esforço no sentido que algumas vezes é preciso implementar alguma ferramenta para conseguir os dados e dividir os usuários, bem como para validar os resultados.

O teste A/B busca fazer uma validação da nova funcionalidade (recurso ou modificação) expondo uma parte dos usuários ao item novo, enquanto os demais não terão acesso a ele, assim haverá um grupo de controle para que comparativamente possa avaliar os indicadores dentre os clientes com e sem o novo recurso.

4 - Comunicação assertiva

Comunicação é essencial para transmitirmos o que analisamos e sentimos, por isso, ser assertivo, ou seja, conseguir ser preciso e direto para informar os passos que estão sendo tomados, as métricas extraídas e as conclusões que chegamos é importante.

O grande objetivo desta comunicação é ser direto ao ponto e ao mesmo tempo não ser rude, lembre-se que nosso cérebro é complexo e trabalha basicamente com dois sistemas:

  • Sistema 1: o cérebro mais primitivo e rápido, mais emotivo, ele reage, julga, opina e simplifica;
  • Sistema 2: é o cérebro mais racional, por fazer mais ponderações é mais ‘lento’, ele considera, avalia e analisa opções.

Visto isto podemos entender que as decisões dos stakeholders que estão solicitando a entrega de determinada funcionalidade não está apenas embasada em números, mas também no seu emocional e na certeza que tem sobre o caminho correto. Logo, aprender a falar a língua certa e de maneira certa fará diferença.

5 - Clareza nos objetivos do discovery

Para muitos pode ser difícil compreender a necessidade de um discovery, visto que é um processo investigativo e colaborativo, o que pode gerar ansiedade em quem espera receber a descoberta, ainda mais em um cenários de números desagradáveis. Sendo assim, deixar visível e acionável as hipóteses que foram levantadas com seu contexto, descrição do problema e o que se esperar como resultado, ou seja, o objetivo do discovery.

Acredito que este é mais um ponto que faz parte da comunicação, alinhar expectativas e deixa claro quais riscos estamos buscando reduzir e quais valores  estamos trazendo para o negócio, produto e cliente.

6 - Resultados do discovery

Outro ponto que pode gerar frustração no solicitante da demanda são os resultados obtidos, isto porque, em alguns cenários o que temos é um fracasso, mas se ele foi validado rápido e nos proporcionou aprendizados para seguir outra estratégia é algo que precisa ser encarado como positivo, afinal:

O fracasso é um pré-requisito para aprendizagem ⇒ Ficar com um pé enraizado com o que aprendemos até o momento enquanto fazemos mudança fundamental na estratégia a fim de buscar uma aprendizagem validada ainda maior. O contato com o cliente é essencial. (Eric Ries)

Então em caso de fracasso, busque listar o que foi aprendido, como: o cliente não vai comprar X. E como isto pode gerar novas hipóteses ou até a mudança do seu produto para atender de fato seu alvo e quais são os prazos para trazer novos aprendizados.

Conclusão

Enfim, não existe uma receita de bolo que traga todas as respostas para situações tão adversas e complexas como as priorizações por decibéis, ela sempre envolve muitos personagens, momentos distintos da empresa e do produto. Contudo, respirar fundo e ter calma para traçar uma estratégia coerente que traga harmonia e busque um resultado positivo para o produto desenvolvido é essencial.

Faz parte do trabalho de uma pessoa de produtos saber lidar com incertezas, ambiente complexo e muitas variáveis, esta é apenas mais uma, e conforme os resultados são apresentados e a comunicação é feita corretamente maiores são as chances de sucesso.

Referências