Opinião: As verdades que produto não gosta de admitir

Por vezes o normal vira errado em TI

Opinião: As verdades que produto não gosta de admitir
Photo by Possessed Photography / Unsplash
Imagem do filme Eu, robô. 2004.

Foque, por favor, nas falas abaixo da cena do filme

“Eu, robô” de 2004.

Detetive Spooner (Will Smith): Um robô consegue escrever uma sinfonia? Um robô consegue transformar uma tela em uma bela obra-prima?

Sony (Robô): Você consegue?

Detetive Spooner (Will Smith): [silêncio]

Geralmente, tento criar artigos que têm um cunho teórico maior. Para que você, leitor, possa ter a tranquilidade de que a opinião deste mero mortal é pelo menos baseada na literatura com as melhores práticas de desenvolvimento de software, práticas de produtos e metodologias ágeis ou não.

Hoje vai ser só um desabafo.

Certas situações no mercado de trabalho me fazem pensar o quanto temos uma visão errada em associar comportamentos que são normais em outros mercados versus o mercado de TI.

Turnover alto é normal.

No Brasil, é bem verdade que temos uma oferta de empregos em TI muito elevada e já há um bom tempo. Isso se agravou pelos lançamentos das novas tecnologias entrantes (Pix, Smart cities, fintechs e etc), como mostra o estudo da Associação Catarinense de Tecnologia & Neoway e Finep na Tech Report 2020.

Antes de todo este cenário, era bastante comum ouvir que o mercado brasileiro que possuía quase 70 mil vagas em TI abertas em TI por ano (TECCHIO, 2020) tinha dificuldade de manter desenvolvedores em uma empresa (MONTEIRO, 2020), imagina com a situação que vivemos hoje?

A pandemia de Covid-19 forçou as empresas a se digitalizarem em 5 meses se digitalizarem o equivalente a 5 anos (PEREIRA, 2020). Fora o discurso batido de que é difícil achar mão-de-obra qualificada, que não deixa de ser verdade, o que de fato causa esse impacto nas corporações?

Para te explicar o principal deles, lembra que eu pedi para você focar na fala do filme?

O que diabos isso tem a ver com os impactos de alto turnover em uma empresa de TI?

Escrever um código é como escrever um livro. Há um tempo para entender as necessidades, traduzi-las em algo que faça com que haja ação. Então, se você acha que é simples substituir as peças envolvidas na construção de algo tão complexo como um livro, e principalmente se você não é de tecnologia, por que não tenta você?

Não estou dizendo que uma empresa não pode ter saída e entrada de pessoas, isso ocorre, é da vida. Os impactos numa mudança de time, em trazer pessoas que, apesar de especialistas para uma atividade mesmo similar à sua formação e que ela não conhece, pode ser desastrosa.

Neste mesmo exemplo de um livro, antes de um desenvolvedor sair fazendo uma linha de código em uma empresa, ele precisa ler este livro, entendê-lo, conseguir fazer mentalmente os desenhos antes de minimamente sair construindo coisas novas ou ajustando itens que possam ter sido criados com defeito — a famosa curva de aprendizagem.

Obviamente, o nível de senioridade de um profissional pode encurtar esta curva de aprendizado. Mesmo assim, duvido que alguém que leia este artigo, que seja de TI, e que seja sênior, vai discordar que sem entender nada do código que vai mexer se atreve a consertar um bug em produção rapidamente, por exemplo.

A curva de aprendizado é algo tão sério, que foi uma das causas da catástrofe de Chernobyl em 1986. Empregados conheciam bem como funcionava um RBMK 1000 (World nuclear association, 2020), no entanto, que desconheciam as deficiências estruturais que o modelo tinha, aliado com a falta de conhecimento necessária para executar os testes foi responsável pela explosão.

Pessoas que não são de TI acham que tudo é fácil

Se meu exemplo acima do livro e da citação de um filme tão marcante como “Eu, robô”, já não falam por si só, eu não sei o que fará.

Eu mesmo já me peguei cometendo este erro várias vezes.

Vejo muito fortemente no dia-a-dia muitas pessoas que não são de TI, ou que apesar de trabalhar diretamente com desenvolvedores, não conhecerem a fundo como se programa, venderem facilidades que não existem.

Para essas pessoas eu repito a fala do robô Sony do filme “você consegue?”, se a resposta for “não”, respeite a opinião de quem sabe fazer aquela demanda. Lembra do outro artigo que falei só sobre isso? Opiniões de pessoas das equipes versus a nossa capacidade de confiar? Que chamei de síndrome do mecânico (Duarte, 2020)? Pois é, vender facilidade onde você não é a melhor pessoa para vender, ou que não tem todos as informações necessárias para se vender faz com que você precise avaliar se está cometendo este erro, recomendo se inteirar o que é esta doença que afeta o mercado de TI.

Dessa forma, o profissional de TI não é barato de se ter em uma empresa, não é barato mantê-lo, e com certeza não é barato demiti-lo. O tempo de vaga aberta, preenchimento, aprendizagem para que de fato este profissional consiga contribuir na corporação é alto e custoso — em resumo: dê valor aos desenvolvedores nas empresas de TI.

Referências

FRAGA, Érica. Pandemia acelera vagas de tecnologia e saúde e elimina de gerentes. Folha de São Paulo [caderno de empregos]. 12 de dezembro de 2020 às 23h15. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/12/pandemia-acelera-vagas-de-tecnologia-e-saude-e-elimina-de-gerentes.shtml> acessado em 08/01/20 às 19:41;

[Jornal]. Programador de sistemas se torna profissional ainda mais requisitado durante a pandemia. Jornal Hora Extra de Goiânia. 11 de setembro de 2020. Disponível em <https://jornalhoraextra.com.br/noticias/21995-programador-de-sistemas-se-torna-profissional-ainda-mais-requisitado-durante-a-pandemia/> acessado em 08/01/20 às 19:50;

MONTEIRO, Lilian. Retenção de talentos é desafio da indústria de tecnologia em 2019. O Estado de Minas [caderno de carreiras]. 22 de março de 2019 às 12h35. Disponível em <https://jornalhoraextra.com.br/noticias/21995-programador-de-sistemas-se-torna-profissional-ainda-mais-requisitado-durante-a-pandemia/> acessado em 08/01/20 às 20:01;

Associação catarinense de tecnologia [ACATE] & Neoway & FINEP. Tech Report 2020. Setor de Tecnologia Catarinense. Disponível em <https://www.techreportsc.com/> acessado em 08/01/20 às 20:05;

PEREIRA, Renée. Com pandemia, digitalização nas empresas avança cinco anos em cinco meses. O Estado de São Paulo [caderno de economia e negócios]. 13 de setembro de 2020 às 05h00. Disponível em <https://www.estadao.com.br/infograficos/economia,com-pandemia-digitalizacao-nas-empresas-avanca-cinco-anos-em-cinco-meses,1119274> acessado em 08/01/20 às 20:10;

PROYAS, Alex. I, Robot. 20th Century Studios. 2004. Informações disponíveis em< https://www.imdb.com/title/tt0343818/> Acessado em 08/01/20 às 20:51

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