Estamos realmente vendendo analgésicos?

Precisamos avaliar como produteiros sérios e como seres humanos se estamos entregando produtos que resolverem dores reais

Estamos realmente vendendo analgésicos?
Photo by Dedu Adrian / Unsplash

Quando falamos em criar produtos temos a máxima de que é preciso criar analgésicos e não vitaminas, ou seja, precisamos criar algo que atenda uma dor real.

"Analgésicos resolvem uma necessidade óbvia. (...) Vitaminas, em comparação, não necessariamente resolvem uma dor óbvia" (Livro Hooked)

E quando a dor é criada?

Assim como no passado as pessoas não conseguiam vislumbrar o que necessitavam ou queriam um carro, também não conseguiam pensar que existia uma dor que a criação dos smartphones ou ainda de redes sociais podia suprir. Hoje é quase impossível imaginar a vida rotineira sem eles, e ficar sem uma dessas coisas gera um grande desconforto.

Gera tanto desconforto que creio que as pessoas nem sabem mais o que é ficar em pé na fila do banco para pagar um boleto, tendo que conversar com estranhos sobre o clima enquanto espera sua vez.


Quando nos tornamos conscientes de uma necessidade, ocorre uma discrepância entre o estado atual (como estamos) e o projetado (como queremos estar), o que provoca tensão, isto é, um desconforto ou mal-estar físico ou psicológico. Portanto, a pessoa procura satisfazer sua necessidade para eliminar o desconforto. (Tânia Maria Vidigal Limeira)

Nos adaptamos e temos certos elementos como fundamentais para um dia prático ou um relaxamento das chatices do dia, a ponto de que ficar sem o uso desses produtos é impensável, o que nos faz criar uma conexão direta entre o produto e a  solução, nos trazendo aquela sensação de alívio e conforto.

Se queremos ouvir uma música alto astral ou ruídos brancos para concentração, temos nosso top of mind de produto que vai ao encontro perfeito dessa nossa necessidade, com alívio imediato do problema.

E se estamos em um carro e queremos encontrar o caminho certo e rápido para o destino desejado, primeiro precisamos do app certo para isto e segundo precisamos colocar  o mapa com a indicação do trajeto de forma fácil para quem dirige conseguir consultar. Se o carro possui uma tela ampla de multimídia, é perfeito, problema mais do que resolvido.

Em algum momento, depois de repetir muitas vezes a ação de encontrar o caminho certo e rápido para o seu destino, esse comportamento acaba virando um hábito. Você sabe que basta apenas conectar o multimídia do carro ao seu telefone para ter seu mapa disponível e conseguir ainda ter uma boa condução do veículo. Seu receio de errar o caminho ou tomar uma multa pelo uso de telefone ao volante acabaram.

E quando você não consegue mais fazer isso?

Então o desconforto e a irritação se instalam. Foi assim que me senti ao entrar em um carro modelo atual e descobrir que meu celular android não conectava com o carro. E os pensamentos que me vieram foi: "Nossa a usabilidade piorou muito! Que mensagem de erro sem sentido é essa? Ops...entendi, não conecta. Como assim? O modelo do passado tinha esta funcionalidade e o modelo atual não tem?".

O vendedor vendo eu tentar conectar sem sucesso me trouxe a solução!!

Agora o carro no modelo mais novo tem conexão do multimídia com o celular apenas se este for com o sistema operacional IOS, mas não se preocupe, temos como fazer seu telefone Android conectar e funcionar bem, basta comprar uma peça extra no valor de R$ 1,5K e instalar no carro que o problema foi resolvido.

Problema resolvido = Dor resolvida = Analgésico fazendo efeito

Não é isto que um analgésico faz? Dissolve a dor e te deixa bem?

Agora avaliando com profissionalismo e seriedade, saber que o cliente já criou um hábito em cima de um produto, e criar barreiras para vender uma facilidade pode não ser ilegal, mas no mínimo não é moral.

O que levou a empresa a tomar esta atitude? Necessidade de aumentar a receita? Aumentar as vendas em acessórios? Ou qualquer outro objetivo que faça o cliente adquirir algo oriundo de um problema criado?

Não apenas como profissionais, mas como pessoas humanas temos que avaliar o que estamos criando, o verdadeiro intuito e entender que bater uma meta é mais do que apenas um lado ganhar.

Precisamos ter uma visão que permeia um jogo limpo e ganhos para todos, o pensamento de escassez nos limita, nos faz ficar presos em apenas um modo, uma forma de atingir um objetivo.

É um jogo difícil de jogar, o cliente não pode ser um único balizador, o centro todo o tempo, mas é certo que é possível encontrar maneiras justas, morais e benéficas para cliente e empresa, onde encontremos uma forma de alavancar o negócio e ainda sim ter um cliente comprando analgésicos reais.