Quando o primeiro programa voltado para Associate Product Manager (APMs) foi criado em 2002, no Google, o objetivo era formar dentro de casa profissionais capazes de lidar com a multidisciplinaridade de um cargo como Product Manager - que ainda estava começando a ser parte estratégica das empresas do Vale do Silício.
Somente quase 20 anos depois começamos a ver este movimento nas empresas brasileiras. Nubank foi a primeira empresa daqui a criar um programa voltado especificamente para treinar APMs do começo ao fim, em esquema semelhante aos projetos de trainee. Mas, quando abrimos o leque um pouco mais, vemos que a realidade é um pouco diferente: nem todas as companhias têm o tempo, o dinheiro e a dedicação para formar um grupo de APMs dentro de um programa específico.
Então, o que acontece? Muitos desses profissionais são contratados para lidar com a mão na massa, muitas vezes com o apoio de um Product Manager Sr. ou até mesmo com um Group Product Manager (ou Product Lead), que assume a responsabilidade de gestão de pessoas que trabalham com produto, dentro de uma tribo.
Como Product Manager Sr., tive a oportunidade de contratar e ajudar no desenvolvimento de uma APM: é uma boa forma de desenvolver a liderança de forma mais direta sobre um contribuidor individual (lembrando, claro, que o PM exerce liderança também com o seu time multidisciplinar, embora não seja gestor de designers e desenvolvedores, por exemplo).
Mas, quando se analisa o trabalho de um APM, é preciso tomar alguns cuidados. Diferentemente de um PM que, quando não possui background liderando um produto, provavelmente já vem de outras áreas, como marketing, tecnologia ou até jornalismo (meu caso), com relevante experiência profissional na bagagem, o APM muitas vezes não possui a experiência que se esperaria para liderar um produto.
Muitas vezes são pessoas que já trabalharam em contextos diferentes e têm conhecimento técnico da gestão de produtos. Alguns podem até terem tido uma atuação próxima a de um Analista de Negócios ou Product Owner, mas sem a autonomia ou experiência exigida para atuar no cargo.
Dentro desse contexto, muitas empresas contratam os APMs para lidar com produtos incipientes - às vezes, são apostas em um determinado mercado, ou até mesmo uma forma de dar tempo para que a pessoa se desenvolva e tenha uma atuação mais estratégica dentro da companhia.
Seja como for, o objetivo aqui é apresentar um framework simplificado de como podemos avaliar o trabalho de um Associate Product Manager, a fim de acelerar o caminho para que ele atinja seu verdadeiro objetivo: se tornar um Product Manager.
Como avaliar um APM
Quando se tem um programa voltado para o desenvolvimento de APMs, você conta com toda uma equipe dedicada a desenvolver essas pessoas mais junior com acompanhamento em cases reais. O primeiro programa do Google, por exemplo, tinha duração de dois anos - embora, na maioria dos exemplos, programas desse tipo duram um ano.
Em um contexto mais isolado, ou seja, em que APMs são encarados como profissionais regulares, assim como um PM, a realidade é um pouco diferente. Pode acontecer de ser promovido em um período de um ano, ou demorar até um pouco mais para isso. Tudo depende do contexto, dos desafios, da performance ou até mesmo do budget disponível.
A ideia aqui é apresentar uma forma de avaliar APMs dado tanto o que se espera que ele possa contribuir, quanto ao que ele aspira.
Nesse sentido, a melhor forma de simplificar esse processo é separar as hard skills de soft skills.
A seguir, vou mostrar um exemplo de como fazer o acompanhamento de um APM simplificando a abordagem de Marty Cagan.
Hard skills
Para entender o que avaliar de hard skills de um PM, Marty Cagan apresentou um modelo interessante: avaliar conhecimentos sobre o usuário, sobre a indústria de atuação, sobre produto, tecnologia, UX, negócio e finanças. Cada um desses aspectos têm uma pontuação específica, mas não considero produtivo ir a esse nível de detalhe - pelo menos, não se você estiver avaliando um APM pela primeira vez.
Nesse sentido, sugiro adaptar as hard skills em quatro disciplinas:
- Conhecimento de dados: Confronta as demandas com dados. Dedica parte de seu trabalho em analisar os dados, utilizando-os como parte de sua tomada de decisão no dia a dia.
- Conhecimento sobre o usuário: Mostra empatia pelo usuário na hora de discutir a evolução do produto, participando de processos de Discovery e contribuindo em momentos de prototipação junto ao Product Designer (ou UX/UI).
- Conhecimento do mercado: Conhece e demonstra interesse no negócio no qual está inserido. Tem interesse em fazer benchmarks, analisar concorrência e se propor a investir em conhecimento sobre o setor da empresa em que atua.
- Conhecimento do negócio: Mostra conhecimento não somente do produto em que toca, mas também do ecossistema ou da empresa em que trabalha como um todo: está ciente da direção que é seguida e toma decisões baseadas na direção do negócio. Busca, na maioria das vezes, adaptar a visão do produto à visão do negócio.
De início, sugiro classificar cada um dos aspectos como: Precisamos Melhorar (tópico em que a mentoria precisa dedicar maior parte do tempo com o APM); Atende (quando existem indícios positivos na disciplina avaliada, mas pode propor maiores desafios para que o APM evolua profissionalmente neste quesito) ou Supera (quando o ponto mencionado representa uma fortaleza e deve ser mantido e reforçado, para que o profissional continue evoluindo).
Soft skills
Por mais que o conhecimento técnico seja necessário, são as soft skills que direcionam bem o caminho de evolução de um APM. Essas habilidades são mais valiosas porque 1) são mais difíceis de aprimorar por mentoria e 2) muitas vezes estão intrínsecas nos valores do profissional.
Assim como as hard skills, Cagan também sugeriu uma abordagem voltada às soft skills, com uma lista ainda maior. Para os APMs, também sugiro simplificar em quatro tópicos:
- Aprendizagem Contínua: Demonstra interesse em aprender mais sobre as hard skills de produto, contribuindo para proliferar conhecimento e absorver parte do aprendizado no dia a dia. Conta com o apoio do PM ou da alta liderança de produto, se necessário, para remover bloqueios.
- Tomada de Decisão: Participa das discussões no dia a dia e mostra firmeza na tomada de decisão. Tem autonomia na execução de seu trabalho e confiança por parte de seus stakeholders.
- Alinhamento: Preocupa-se em estar sempre alinhado com os times quando sente que o trabalho gera interdependência. Dá visibilidade do que está acontecendo e mostra boas habilidades de comunicação.
- Sinergia com o time: Participa ativamente das reuniões diárias, se preocupa com os ritos e com as entregas e promove o bem-estar junto ao time, em busca de proporcionar um ambiente de segurança psicológica a todos com quem trabalha.
Assim como as hard skills, sugiro a classificação precisamos melhorar, atende e supera para todos os pontos.
Acompanhamento
Todo desenvolvimento profissional precisa de acompanhamento contínuo. Sou partidário de Cagan quando diz que todo líder de produto precisa ter um lado coach, para ajudar profissionais júnior ao lidar com os desafios, compreender o contexto e se desenvolverem.
Porém, cada empresa e estrutura de produto tem aspectos que consideram mais importantes no desenvolvimento de um PM. Por exemplo, em uma empresa de cibersegurança a qualidade de entrega pode ser um fator determinante - visto que qualquer tipo de bug pode representar um risco enorme para o negócio. Por que não trazer esse aspecto para a avaliação do APM?
O importante é deixar claro em quais aspectos o APM precisa se desenvolver para que possa ser promovido para Product Manager.
Por mais que as entregas possam ser importantes em determinadas empresas, será que ela foi desafiadora o suficiente para que o profissional esteja mais preparado para a carga de pressão que virá quando for promovido?
É importante alinhar o acompanhamento e desenvolvimento do APM com a alta liderança - principalmente se tiver em uma estrutura com um diretor de produto, VP ou CPO, por exemplo. Líderes sênior são mais experientes ao lidar com desenvolvimento profissional e certamente podem contribuir ainda mais para o desenvolvimento dos APMs, mesmo em uma estrutura enxuta ou em uma companhia sem programa específico para iniciantes na área de produto.