O teatro da transformação - Por que todo mundo gosta de uma sacanagem

O teatro da transformação acontece quando organizações executam atividades que parecem transformadoras na superfície, mas não mudam como as pessoas trabalham ou como a empresa opera.

O teatro da transformação - Por que todo mundo gosta de uma sacanagem
Photo by Hector O'Connor / Unsplash

Eu nunca participei de uma transformação digital de verdade. O que sempre vi foram empresas tentando colar uma etiqueta de "transformação digital" em mudanças superficiais – implementar um novo sistema, migrar para a nuvem, ou contratar uma consultoria para ensinar Scrum.

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Essas iniciativas invariavelmente seguiam o mesmo roteiro: muito alarde no início, workshops motivacionais, apresentações com buzzwords, e depois... silêncio. Os mesmos problemas continuavam lá, só que agora disfarçados com vocabulário novo e mais reuniões no calendário.

Os dados confirmam essa percepção: 70% das iniciativas de transformação digital falham completamente em atingir seus objetivos, segundo pesquisa da Boston Consulting Group com mais de 900 empresas. A McKinsey vai além: apenas 16% das organizações conseguem benefícios sustentáveis de longo prazo com suas transformações. Estamos falando de US$ 900 bilhões desperdiçados só em 2018, segundo Forbes e McKinsey.

Ainda bem que essa moda passou. Quer dizer, mudou. Hoje em vez de falar "vamos fazer uma transformação digital" os líderes colocam como meta a "implementação de uma iniciativa de AI na empresa".

Esse é o famoso teatrinho da transformação

O teatro da transformação não é apenas ineficaz – é ativamente prejudicial. Quando organizações gastam meses fazendo teatro, criam uma falsa sensação de progresso que impede mudanças reais. As pessoas ficam frustradas porque estão fazendo tudo "certo" segundo os manuais, mas não veem resultados.

A maioria das transformações falha não apenas porque as pessoas resistem à mudança, mas por que elas resistem à encenação. Elas resistem porque os líderes não lideram de fato durante as transformações. Eles delegam as partes difíceis, terceirizam o pensamento e tratam a mudança como um projeto ao invés de uma nova forma de operar.

A maioria dessas empresas nem percebe que está falhando e a maioria dos líderes acha que está fazendo um ótimo trabalho.

Você já deve ter visto algum desses cenários raros, mas que acontecem com frequência:

  • Alguém contrata um "Delivery Manager", mas que nunca vai olhar o processo, ele só vai ficar preso nos problema do dia a dia mesmo, fazendo o papel de Tech Lead Guru;
  • Contratar consultores que vão dar apresentações volumosas, mas que as sugestões nunca serão implementadas (mesmo se as respostas forem realmente relevantes);
  • Dar falsa autonomia para profissionais seniors, dando um belo de um desafio incrível, mas deixando ele sozinho com a desculpa de "precisamos de alguém mão na massa, nesse início, mas que nos ajude a escalar". Bom, a escala nunca acontece por causa do "budget", mas ele ainda precisa cuidar de tudo sozinho;
  • Não construir um produto pensando no amanhã, só no hoje, por que estamos em um momento de growth;
  • Não direcionar os times por meio de uma comunicação clara das escolhas estratégicas da empresa, deixando transparente as delimitações e os resultados esperados;
  • Implementar "metodologias ágeis", criar "squads" e "tribes", mudando títulos e cargos, mas que nunca trarão mudança real de comportamento e responsabilidades das pessoas;

Isso aí é encenar uma transformação – um teatro corporativo sofisticado onde todos sabem suas falas (nem todos), mas ninguém entende realmente o roteiro. E eu to falando só de produto... Tem o nível geral da empresa que também entra no espetáculo.

Você já participou de reuniões de "alinhamento estratégico" que duram horas mas nunca comunicam qual é o verdadeiro objetivo da empresa. As definições de OKRs e KPIs que nos próximos meses ninguém vai consultar. Pois é. Isso aí se chama "elefante branco no meio da sala".

As cinco modalidades do teatro corporativo

A ilusão dos cargos transformados

Essa é modalidade mais comum e talvez a mais insidiosa. Empresas mudam títulos achando que isso vai mudar competências. Product Owners viram Product Managers, Designers viram Product Designers, UX viram Researchers e Devs especialistas viram Tech Leads.

O problema não está nos títulos em si, mas no que não muda junto com eles. Aquele mesmo "Product Owner" que apenas traduzia demandas de negócio agora tem o título pomposo de "Product Manager", mas continua sem entender de descoberta de produto, validação de hipóteses ou indicadores de impacto. Pior: agora ele tem um título que sugere que deveria saber fazer essas coisas.

Esse teatro de títulos e cargos é particularmente perigoso porque cria uma falsa sensação de progresso. A organização olha seu organograma e vê "Product Managers", "UX Designers" e "Tech Leads" e assume que tem competências de produto. Mas competência não se muda como se muda a descrição de cargos na carteira de trabalho (isso se você for CLT).

O show das ideias que não chegam aos usuários

Muitas organizações desistem de esperar inovação dos seus times de produto e criam "laboratórios de inovação" ou "times dedicados de inovação". A lógica parece sólida: se os times regulares estão ocupados mantendo o core business, vamos criar um time especial só para inovar. Quem nunca?

O resultado é quase sempre o mesmo: duas classes de pessoas trabalhando em produto. Os "inovadores" que ficam em salas descoladas fazendo brainstorming e prototipando soluções revolucionárias, e os "executores" que ficam cuidando do produto real que os usuários de fato usam.

O problema fundamental é que inovação isolada da execução raramente chega aos usuários. Esses times de inovação produzem insights interessantes, protótipos impressionantes e apresentações bonitas, mas suas descobertas morrem na transição para os times que realmente constroem e entregam produto.

Inovação real acontece quando times empoderados têm liberdade para experimentar dentro do contexto do produto que estão construindo, não em laboratórios separados da realidade operacional.

A encenação da descoberta

Manja discovery? Aquele negócio que acontece quando times fingem fazer descoberta de produto, mas na verdade apenas fazem design e desenvolvimento das ideias que alguém já decidiu implementar. Ou, no pior dos casos, passam meses investigando algo óbvio, e se matando para tentar ter um cliente que topou ser entrevistado.

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