Liderando produtos na era da IA

O erro, o improviso e o aprendizado

Liderando produtos na era da IA
Photo by Stefan Cosma / Unsplash

Tive a oportunidade de dar uma aula aberta na PUC-MG para o curso de especialização em Gestão de Produtos Digitais. Achei que seria legal consolidar em um texto o que abordei lá.

Compartilhei com os alunos um pouco das diferenças entre um produto de IA e sem IA e, posteriormente, abordei o papel importante da liderança de criar um ambiente psicologicamente seguro para que os times floresçam em contextos cada vez mais rápidos e incertos.

Produto de IA é tão diferente assim?

Não quero começar trazendo uma definição formal do que seria “Inteligência Artificial”. Em vez disso, quero trazer algumas noções que sempre estarão presentes enquanto falamos de IA:

  • Dados: Os dados são a matéria prima da IA. É impossível ter sucesso com um produto de inteligência artificial, se você não tiver dados de qualidade.
  • Automação: A inteligência Artificial já se provou realmente muito eficiente ao automatizar tarefas específicas. Atualmente muitas decisões já são delegadas para uma IA.
  • Expansão de capacidades: Para além da automação, também pensamos em IA como uma ferramenta capaz de, inclusive, ultrapassar as capacidades humanas em algumas tarefas e, com isso, expandir as nossas capacidades de interação.
  • Criação: Mais recentemente, com a popularização dos LLMs e outros modelos generativos, também começamos a relacionar a IA com a  capacidade de criação.

Pra começar a olhar para IA nos produtos, trouxe uma linha do tempo, que marca alguns paradigmas interessantes.

IBM Deep Blue: Marcou um momento significativo na história da IA, demonstrando sua capacidade de desafiar habilidades humanas em tarefas específicas e complexas.

Roomba: Usava IA para detecção de obstáculos, sujeira e outras tarefas mais triviais. A chegada dos eletrodomésticos inteligentes, como o Roomba, teve grande impacto nos produtos, marcando um paradigma de transição da IA, que saía da academia e chegava aos produtos de consumo.

TikTok: O TikTok é um excelente exemplo do que chamamos de produto “AI First”, ou seja, um produto que é construído em volta de uma aplicação de IA. O que isso quer dizer? Vamos pensar que todo o produto TikTok só existe porque, por trás, existe uma inteligência artificial que decide qual é o próximo vídeo que ela vai te apresentar. Sem isso, o produto não entregaria o valor que ele se propõe.

ChatGPT: O ChatGPT, ao democratizar o acesso aos grandes modelos de linguagem, veio também instaurar um novo paradigma: o das IAs generativas. O ChatGPT, além de ser um produto AI First, é também um produto que tem um LLM - um modelo generativo - no seu core e isso ampliou absurdamente os horizontes do que conseguimos fazer com os produtos.

O Sucesso do ChatGPT e as iterações de produto

Eu quero entrar brevemente um pouco mais no ChatGPT para levantar o ponto de que, sim, ele é um exemplo de um produto de IA que envelopou um algoritmo complexo e disponibilizou para toda a população. E ele fez muito sucesso, não só, mas também por dois fatores que eu quero enfatizar aqui.

O primeiro é que, ao democratizar o acesso à tecnologia, ele impulsionou inovações. À medida em que as pessoa usavam o ChatGPT, elas começaram a pensar “o que mais consigo fazer com isso?”; “onde mais eu consigo aplicar essa tecnologia?”

O segundo fator é que o ChatGPT trabalhou constantemente com iterações do produto a partir de feedback do usuário. Tanto o algoritmo por trás, quanto o produto em si, é aprimorado continuamente, num processo de feedback loop muito similar ao que já estamos acostumados no universo de desenvolvimento de produtos digitais.

Mas já que estamos encontrando essas similaridades, onde está o pulo do gato? 

O que devemos ter em mente ao usar IA nos produtos?

Vou começar respondendo essa pergunta, com uma outra pergunta: o que querem os produtos? 

Embora a tecnologia tenha mudado muito e já tenha automatizado grande parte do trabalho, a premissa básica da indústria criativa permanece a mesma: continuaremos nos esforçando para entregar a melhor experiência do usuário. Independente de ser um produto de IA ou não, a gente sempre vai querer entregar a melhor experiência pro usuário, porque assim, o sucesso do produto fica mais fácil.

Mas, então, agora você pode estar se perguntando: o que define boas experiências em produtos de IA? 

Eu não tenho todas as respostas, obviamente, mas eu trouxe aqui 5 princípios que podem ser norteadores na hora de começar. E o curioso é que os fundamentos desses princípios estão comigo desde 2020, quando a gente ainda nem pensava em ter produtos de IA generativa de tão amplo acesso. E mesmo com esse novo paradigma das IAs generativas, são princípios tão fundamentais que, se vocês repararem bem, tenho certeza que vai ser muito familiar ao que já estão acostumados.

1. Minimal input, maximum outcome

Esse não é um princípio desconhecido, muito pelo contrário. O termo "fadiga de decisão" foi popularizado pelo psicólogo social Roy F. Baumeister e pelo jornalista John Tierney em seu livro "Willpower: Rediscovering the Greatest Human Strength" ("Força de Vontade: Redescobrindo a Maior Força Humana", em tradução livre), publicado em 2011.

Eles exploraram a ideia de que a capacidade de tomar decisões é uma forma de energia mental finita, que pode ser esgotada ao longo do tempo, levando à diminuição da qualidade das decisões e ao aumento da propensão a comportamentos impulsivos. 

A potência da Inteligência Artificial está em automatizar as tarefas possíveis, deixando que o usuário tome apenas as decisões estritamente necessárias. Como é feito hoje, por exemplo, no Gmail, ao recebermos sugestões de respostas para e-mails que acabamos de ler.

Uma forma de exercitar o Minimal input, maximum outcome no dia a dia, você pode se desafiar a resolver problemas significativos do usuário esperando o mínimo de inputs, por exemplo. 😉 

2. Design for failure (projete para o erro)

Porque a IA certamente cometerá erros. E como uma pessoa que trabalha com produto, é muito importante manejar a expectativa do usuário quanto aos erros da IA. 

O ChatGPT, por exemplo, já traz um aviso em sua interface dizendo que ele pode cometer erros. Outra coisa interessante que ele faz e que, não apenas ele, mas muitos outros produtos, como a Netflix, também fazem, é permitir que o usuário classifique com 👎 ou 👍 o que ele acabou de receber (seja uma recomendação de filme ou uma resposta em texto).

3. Design for trust: sem dados, sem melhoria de experiência

Para aprimorar a experiência de qualquer produto, nós precisamos coletar os dados dos usuários, analisá-los e evoluir o produto a partir disso. Em produtos de IA, dados são igualmente fundamentais, uma vez que só vamos conseguir aprimorar não apenas a experiência, mas também os algoritmos de IA por trás, com dados reais.

Construa o produto com base na confiança, garantindo transparência sobre o que sabemos sobre o usuário e como pretendemos utilizar essas informações. Idealmente, os usuários devem ter controle total sobre seus dados, podendo modificá-los conforme necessário. Para estabelecer confiança, é essencial criar uma dinâmica saudável, na qual transparência e honestidade sejam os pilares fundamentais.

Dessa forma, além de deixar claro para os usuários como os dados estão sendo usados, é importante dizer qual é a contrapartida oferecida, ou seja, ele está te cedendo os dados e, com isso, você está entregando experiências mais personalizadas.

4. Humanize experiences