Este post foi publicado na Curious Product (minha newsletter em inglês) no dia 01 de junho de 2021. As passagens das referências em inglês que cito ao longo do texto são traduções livres que fiz do texto original.
Este post saiu uma semana depois do planejado. A pandemia afetou de forma intensa meu emocional - de novo - e eu tive que pegar leve nas últimas semanas. O Brasil ainda está longe do final da pandemia (lembre que o texto é de junho de 2021) e o número de mortos pela COVID-19 é assustador. Nesses mais de um ano de pandemia tive diversos altos e baixos com essa situação de home office com duas crianças pequenas. Recentemente estive numa dessas baixas. Por isso decidi escrever sobre um tópico relacionado com esse momento: gestão de energia.
Esta é uma newsletter para pessoas de produto resolvendo problemas com tecnologia. Por que a gestão da energia dos times é tão importante para construir produtos de excelência? Porque o que normalmente separa times ruins, bons e excelentes é exatamente como esses times fazem a gestão da sua energia no tempo.
Grandes produtos são construídos através da consistência. No tempo, melhorar um pouco a cada semana é bem melhor que picos intermitentes de melhoria. Ainda mais pelo fato de que a consistência é replicável.
Para ter consistência, você não pode forçar o time ao 100% o tempo todo. O ingrediente de sucesso é exatamente gerenciar a energia do time ao longo do tempo. Como disse John Cutler:
“Desenvolvimento de produto é mais sobre gerenciar energia que gerenciar o tempo”
John Cutler tem uma visão sistêmica bastante interessante sobre como fazer a gestão de energia dos times que você pode encontrar neste link.
A forma como eu gerencio a minha energia e a energia dos times de produto com os quais trabalho está representada no fluxo abaixo.
Energia é o que leva a resultados. É uma relação não-linear já que os resultados não são previsíveis. Mas, de forma geral, pessoas motivadas e com energia alta tendem a gerar melhores resultados. E as pessoas não podem atingir esse estado se elas não estiverem se sentindo bem.
Os resultados são então comparados às expectativas prévias do time e dos stakeholders. Se as expectativas foram atendidas e o resultado veio, a confiança do time aumenta, gerando um feedback positivo de energia.
Se as expectativas não foram alcançadas, o time se sente pressionado - tanto internamente quanto pelos stakeholders - e a energia do time diminui. Algumas pessoas argumentam que esse tipo de pressão ajuda as pessoas a produzirem mais. Eu discordo por dois motivos. Primeiro, a maioria das pessoas, especialmente as que desempenham acima da média, já se cobram muito, não acho que a pressão externa ajuda. Segundo, colocar expectativas muito altas (às vezes irrealistas) pode desmotivar caso o time passe a desacreditar do objetivo, em particular quando a confiança do time está baixa. Para times que não estão sob pressão, metas difíceis mas alcançáveis podem sim gerar energia positiva no time.
Reconheça que ninguém pode trabalhar no seu 100% o tempo todo
A primeira forma de gerar gatilhos positivos ou negativos de energia nos times está exatamente nas expectativas geradas a respeito do desempenho. Se as expectativas não são alcançáveis dentro de uma realidade visível para o time, um feedback negativo é iniciado. Se a expectativa é facilmente alcançável também há desmotivação - a maioria das pessoas é motivada por desafios possíveis.
É difícil encontrar o balanço correto aqui. Ter as expectativas ajustadas é um dos sinais de maturidade e saúde de um time. O Google fez uma pesquisa famosa que mostrou que os times mais efetivos são os que têm uma estrutura clara de trabalho, percebem o valor que geram e tem segurança emocional entre seus membros.
Tudo começa por gerenciar a energia do time. Quando a energia está alta os times naturalmente tendem a aumentar as expectativas. Isso gera frustração uma vez que as expectativas não são alcançadas. Porque a energia oscila, ninguém pode trabalhar a 100% o tempo todo. Susan David coloca esse ponto no seu TED Talk:
“Emoções normais, naturais, são vistas nos dias de hoje como boas ou ruins. E ser positivo se tornou uma nova forma de correção moral. (…) É uma tirania da positividade. E isso é cruel. Frio. E ineficiente.
(…) Somente pessoas mortas nunca ficam estressadas, tem o coração partido, nunca tem a experiência da frustração que vem com um fracasso. Emoções difíceis são parte do nosso contrato com a vida. Você não tem uma carreira com significado ou cuida da família ou deixa o mundo melhor sem estresse e desconforto. Desconforto é o preço de entrada para uma vida com sentido.”
Todo mundo precisa reconhecer esse fato, para si e para aqueles no time. Considerando que você não estará sempre no seu melhor, permita sempre ter alguma folga. Ela é necessária para que você possa ser consistente no tempo.
Crie um sistema que torne a folga um super poder
Ter alguma margem de manobra é a chave para a efetividade no trabalho. Essa folga permite lidar com a oscilação da energia no tempo, dando espaço para respirar e lidar com os fracassos e obstáculos com menor pressão.
Uma passagem do blog Farnam Street explica esse conceito:
“Ter um pouco de margem de manobra permite que possamos responder às mudanças das circunstâncias, permite experimentação e dá espaço para fazer coisas que não funcionam.
Essa folga se dá pelo excesso de capacidade. Pode ser tempo, dinheiro, pessoas ou até expectativas. Isso é vital porque nos previne de ficarmos presos ao estado atual das coisas, sem capacidade de responder ou se adaptar.
Não ter margem de manobra é custoso. A escassez pesa na nossa mente e consome uma energia que poderia ser usada para fazer melhor a tarefa à qual você está se dedicando agora. Ela amplifica o impacto dos fracassos e das consequências não intencionais.
Ter muita margem é ruim porque os recursos acabam sendo desperdiçados e as pessoas ficam entediadas. Mas, no geral, a falta de margem é um problema maior que o excesso dela.”
Quando você coloca expectativas muito altas você acaba tirando margem de manobra. Quando você pressiona as pessoas a trabalharem no seu limite o tempo todo, você esgota qualquer folga no sistema. Não fique obsessivo com a eficiência pois ela pode ser inimiga da eficácia. Em tecnologia, produzir mais não necessariamente significa gerar mais valor.
Se a pressão estiver alta, libere
Às vezes há muita pressão interna ou externa no time. Talvez isso venha de resultados ruins que fizeram os stakeholders desconfiar da capacidade do time. Talvez haja uma condição de mercado que está estressando as pessoas na empresa. Independentemente da razão, o time sente o clima e a energia do time cai.
Neste tipo de situação você precisa tomar um cuidado extra com as expectativas que você coloca sobre o time. Para aliviar a pressão seu mote deve ser: “prometa menos e entregue mais”. Faça os tradeoffs que precisar. A ideia é liberar a pressão entregando algo importante que possa ser usado como motivador para acalmar as coisas.
Além disso, é importante proteger o time de algumas influências externas que podem agir negativamente sobre a moral. Para trazer a energia do time de volta, você precisa criar uma narrativa que engaje todo mundo num entregável claro. A pressão muitas vezes vem da falta de clareza. Se pessoas com pouco contexto começarem a questionar diretamente o time sobre suas premissas, isso pode trazer muita pressão pelo ruído que pode gerar.
Quando a energia estiver baixa, faça uma entrega pequena
Se a energia estiver baixa - por conta da pandemia, falta de confiança ou problemas pessoais que afetem alguns membros do time - uma entrega pode ajudar a resgatar a motivação. Baixe as expectativas a quase zero, reconheça o problema e entenda que neste momento tudo bem entregar menos que o esperado. Dê a você e às pessoas tempo para respirar e ajude seu time a entregar algo. Comece devagar e vá aumentando a velocidade conforme o time resgatar a motivação.
Ter margem de manobra é especialmente importante quando a energia se esvai. Muitas vezes o melhor nessa situação é realmente não fazer (quase) nada. Pode parecer contraintuitivo, mas entregar algo muito pequeno de forma rápida pode ser exatamente o empurrão que o time precisa. Isso é muito melhor do que ficar travado num entregável grande com time desmotivado.
Torne isso uma prática
Fazer a gestão da energia do time é uma prática diária. Você tem que falar sobre as emoções usando as palavras corretas. Quando o time fala sobre suas emoções de forma aberta (nas retros, 1:1 e em outras interações) você percebe que a prática virou um hábito.
Existem algumas ferramentas para ajudar no processo, como o health check do Spotify. Mas lembre-se que o melhor é criar um ambiente para que as pessoas possam compartilhar suas emoções com frequência. Por isso a retro é a reunião mais importante de uma squad na minha opinião.