Detetives de Produto, temos?

O papel da pesquisa com usuário como um direcionador para as decisões de produto.

Detetives de Produto, temos?

Uma das metodologias mais conhecidas para “pensar produto” é o Double Diamond (“Diamante Duplo”), oriunda de um acordo amigável com o Design Thinking (“Pensamento de design”). Tal diagrama divide o processo em 4 etapas principais: descobrir, definir, desenvolver e entregar.

Independente da etapa, a aplicação de pesquisa com o usuário se faz essencial em cada uma das 4 fases. Pesquisa com usuário provê suporte para identificar dores, validar ou invalidar hipótese, apontar direcionamentos e embasar decisões.

Neste texto, contei com a colaboração da Keila Almeida, Analista de Pesquisa e Desenvolvimento na Accenture Brasil, para nos ajudar na investigação sobre a importância de envolver as pessoas usuárias no processo para criação e desenvolvimento de produtos.

Leitores e leitoras, ou melhor, detetives de produto a postos?

1. Quando pesquisas com usuários são necessárias para a criação e sustentação de um produto?

[Keila]: A pesquisa com usuários é sempre necessária,  é um processo contínuo. Porém, em cada etapa terá um objetivo específico.  Por exemplo: podemos citar as mensagens que alguns APPs costumam mostrar na tela durante um determinado erro, questionando ao usuário se queremos informar o problema. Neste caso, toda a fase de desenvolvimento já passou e o produto está funcional, entretanto, ainda assim o usuário relata como está sendo sua experiência. E a coleta de erros para melhorias é uma pesquisa.

2. Em termos gerais, o que se espera obter com a pesquisa de usuário?

[Keila]: O objetivo da pesquisa é a construção do conhecimento. Acreditamos que um produto é viável, efetuamos as pesquisas para entendermos se, de fato, é verdade e não apenas crença; se for verdade, então, adquirimos o conhecimento necessário para iniciar o desenvolvimento. Nas demais fases a pesquisa pode servir para colaborar, reproduzir, refutar, ampliar, detalhar, atualizar algum conhecimento pré-existente e necessário naquela etapa.

3. Na teoria, empenhar tempo e esforço para pesquisa com usuário no início do processo (independentemente do método adotado) é o movimento mais assertivo antes de cogitar desenvolver uma solução.  E, na prática, dedicar tempo para conhecer o problema é considerado um investimento que se paga?

[Keila]: Depende muito da maturidade do produto, seus recursos e, principalmente, é preciso tomar cuidado para não perder o timing (“tempo”), isto é, o momento de partir para a ação. O que quero dizer é que quando não há um produto, mas apenas a ideia dele, quanto mais tempo se gasta em pesquisas, maiores são os  riscos de que o produto se torne um prejuízo; não é atoa que o mercado busca metodologias cada vez mais eficazes para que um produto seja desenvolvido em tempo recorde.

4. Como definir qual tipologia de pesquisa com usuário mais coerente para cada objetivo?

[Keila]: O primeiro ponto a considerar é em que fase está o produto, um produto novo demanda pesquisas exploratórias, pois nesta fase estamos construindo hipóteses, isto é, supomos haver um problema, para validar ou refutar pesquisamos e exploramos toda informação existente necessária, e nessa etapa entram outras metodologias, por exemplo, a pesquisa bibliográfica, onde reunimos o que se tem sobre tema pesquisado, coleta de dados que é uma técnica da pesquisa descritiva. Sempre haverá um ou mais tipos envolvidos, a fase em que está o produto é um dos pontos de partida, em seguida vem o objetivo, e aqui posso citar como exemplo, produtos já disponíveis como softwares e apps, que quando ocorrem erros em nossos dispositivos, aparece para nós a opção de encerrar o programa ou relatar o erro, enxergo essa metodologia como pesquisas aplicada, cujo objetivo é de adquirir novos conhecimentos para o desenvolvimento ou aprimoramento de produtos, processos e sistemas.

5. Como são definidos prazos e número de respostas desejadas para uma pesquisa com o usuário?

[Keila]: Na minha opinião, estas definições devem ser orientadas segundo o teste, e não vejo muito dessa preocupação na hora de estruturar uma pesquisa.  A maioria das pesquisas, para validar hipóteses, não se preocupam em pensar em como elas serão testadas depois. Por isso, muitas vezes a fase de teste se dificulta ou até invalida uma hipótese por falta  de informações necessárias para fazê-lo. Imagina um cenário, onde uma empresa precisa saber se, em determinada região, as pessoas gostam mais de tênis verdes ou azuis. E todo dia útil às 13 horas o pesquisador se posiciona na entrada de um shopping e pede a opinião das pessoas, além de olhar quantas pessoas entram e saem com tênis nestas cores. Se a pesquisa girar apenas em torno das cores, não atende os critérios. Por exemplo, qual a idade dos respondentes, eles têm poder de compra? Afinal, às 13h de um dia útil, pessoas adultas e com poder aquisitivo estão trabalhando. Qual tamanho os respondentes calçam? Os tênis são de tecidos ou outro material?, etc.
Por que isso é importante? Após saber a cor, ao distribuir tênis incompatíveis com o tamanho, com o poder aquisitivo e tipo de tecido mais usados pelos respondentes, certamente as vendas do produto não acontecerão. Vejo pesquisas muito focadas em coletar números, respostas fechadas, que acabam desconsiderando contextos importantes.

6. Não “contaminar” a opinião da pessoa respondente com a opinião da pessoa pesquisadora deve ser uma preocupação constante na formulação de pesquisas com o usuário. Podem trazer dicas sobre como desenhar uma pesquisa de forma neutra, sem influenciar o usuário?

[Keila]: O ideal seria chamar o usuário para um bate-papo e introduzir as perguntas fechadas no momento oportuno um bom exemplo de como funcionaria esse modelo é o programa “De frente com Gabi”, e para você que não tem pelo menos, 35 anos, pode considerar como exemplo o programa do nosso querido Jô Soares. Não teremos a sorte de uma gravação para rever e documentar, então nesta etapa seria importante mais dois entrevistadores presentes, para documentação, ou o uso de tecnologias de gravação, para consulta e documentação posterior.

7. Jacob Nielsen, um dos fundadores do Grupo Nielsen Norman disse: “Para projetar a melhor experiência para usuários é necessário prestar atenção no que os usuários fazem, não que dizem.” O que você pensa sobre esta perspectiva?

[Keila]: Acho que é a colocação perfeita. Tive uma experiência de entrevista com um usuário, onde ao perguntar para ele como se sentia com a falta de acessibilidade, o mesmo disse que não tinha problemas, que sempre se virou e que fazia de tudo para que tivesse a tecnologia assistiva disponível quando precisasse. Então, eu refiz a pergunta da seguinte maneira: o que você faz quando se vira? Nas respostas, pude identificar, que a falta de acessibilidade causava fadiga e estresse, que o mesmo não conhecia nenhuma outra tecnologia assistiva além da que utilizava, e que um dos principais problemas da tecnologia assistiva que ele utilizava, era a duração, que não acompanhava a rotina longa do usuário.

8. Qual a relevância da pauta Diversidade & Inclusão nas pesquisas com o usuário para determinado Produto?

[Keila]: Não tem forma curta de responder essa pergunta, mas tentarei. Podemos considerar a importância quando olhamos para o movimento “se não me vejo não compro”, que começou em 2013 com bonecas negras para crianças negras e criou um movimento gigantesco dos grupos minorizados, que cresce cada vez mais; e observamos cada vez mais as marcas se posicionarem e trazerem representantes dos recortes de diversidade em suas publicidades; até o fato de considerar, lá naquela pesquisa que citei como exemplo, se a pessoa que gosta de determinada cor de tênis, possui os dois pés, se um dos pés é prótese, se é daltônica e não sabe, pois o distúrbio afeta 8% da população, dentre outros fatores.

9. Quais medidas mínimas de acessibilidade devem ser tomadas na formulação e aplicação de pesquisas com usuário?

[Keila]: Depende do formato e da necessidade do usuário, mas um bom direcionador, para qualquer formato que o usuário terá autonomia para responder, podem seguir as Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG). Cada País, estado e município, podem ter exigências diferentes, em SP o nível exigido é o AA, isto é, após validação, o conteúdo neste nível é acessível à maioria das pessoas, na maioria das situações e usando a maioria das tecnologias.

10. Na opinião de vocês, qual seria a principal diferença de resultado entre um produto concebido com e sem embasamento de pesquisas com usuário?

[Keila]: Acredito que produtos concebidos com pesquisa tem chances de serem inovadores, enquanto um produto sem pesquisa tende a ser mais um similar; no entanto, o contrário também é possível. Visto que a pesquisa pode identificar que um similar tem mais chances de atender a necessidade do usuário que um produto novo, os supermercados são um lugar onde encontramos bons exemplos disso; e sem nenhuma pesquisa o “fracasso” de lançamento pode trazer oportunidades como o caso do WhatsApp que, até hoje, faz sucesso no Brasil e não fez nos EUA. Lá SMS era gratuito, então o nosso querido “Zap”, era apenas um similar porém, no Brasil era uma inovação, ele era o único meio de enviar um volume alto de mensagens de texto mais baratas,  visto que a tarifa de tráfego de dados era menor que a tarifa de SMS.

Fechou

E assim concluímos essa pseudo entrevista com a Rainha (apelido que criei pra Keila, tamanho tem sido nosso apoio mútuo na vida e no trabalho), obrigada por mais essa parceria e troca de conhecimento.

Dessa conversa, podemos concluir que a Pesquisa com usuário pode ser utilizada em qualquer ponto no ciclo de criação ou manutenção de um produto. Independente do modelo escolhido, pesquisas são uma fonte de insumo preciosa para compreensão, investigação e materialização de uma ideia. Mas, antes de se apressar para montar um formulário ou teste A/B, reflita sobre os objetivos que se pretende alcançar e depois, monte um plano de pesquisa. Afinal, esta ferramenta tem potencial de influenciar diretamente o sucesso ou fracasso de um produto.

Referências