Na primeira parte deste artigo me debrucei sobre os conceitos de Product Growth e Product-led Growth; no panorama de mercado em que ambos se inserem e nas zonas cinzentas que são a parte mais interessante do tema.
Nesta segunda parte, vou entrar em estudos de casos mais práticos e, para isso, vale dois combinados que vamos fazer, eu e você, neste momento.
Sobre funis e impacto de produto
O primeiro é que a jornada do seu usuário não é um funil, uma ampulheta, nem um loop ou “flywheel”. A jornada do seu usuário é uma grande bagunça e a imagem abaixo faz o papel de ilustrar esse fato.
Ainda assim, dividir a mesma em etapas padronizadas é uma simplificação poderosa, a qual não vou questionar nessa altura do artigo.
Dito isso, vale apenas notar que eu tenho uma preferência específica de modelo e ele se caracteriza pela imagem abaixo.
Este “funil” pode não ser o modelo mais adequado para o seu negócio. As divergências mais comuns tendem a ser na ordenação das etapas de indicação e expansão. Outro ponto de questionamento frequente é a etapa de receita/ monetização.
Neste último caso, não trato a mesma como uma etapa, mas um processo cross-etapas.
Falando especificamente da etapa de aquisição, ela é a etapa em que você certamente não tem seu cliente dentro de seu produto ainda e, portanto, você tem menos dados, menos controle e menos influência.
E aí entra nosso segundo combinado: preciso que entenda que seu produto (digital ou não), gera impacto de 2 diferentes formas na etapa de aquisição:
- Impacto direto: quando, por exemplo, utilizamos tecnologia proprietária para melhorar nossos resultados de canais não proprietários, como mídia paga, ou prospecção ativa de clientes pelo time de vendas.
- Impacto indireto: quando nossos diferenciais de produto fortalecem a proposta de valor que nos sentimos confortáveis em prometer para o mercado.
Cada umas dessas 2 situações vai ser destrinchada em detalhes aqui, pois cada uma pode guardar a alavanca oportuna de maior crescimento na sua empresa.
Mas para fixar o que estou dizendo, vou começar com dois exemplos bem simples:
- Impacto direto: a Loft desenvolve um algoritmo proprietário para extrair e aplicar insights em suas campanhas de mídia paga.
- Impacto indireto: o Nubank entra no mercado com um cartão de crédito sem anuidade, gerando assim menor resistência nos canais pelos quais você pode ouvir falar do produto (mídia paga, imprensa ou amigos).
Estudos de caso de impacto direto
Peixe Urbano
Em 2012 as pessoas mal falavam de “startup” no Brasil e o Peixe Urbano já executava Product Growth em aquisição.
Conversando com o Rafael Dahis, Product Manager da empresa na época e hoje Product Lead do Instagram, ele me contou o seguinte caso:
Dentre os produtos de compra coletiva, um dos mais lucrativos para a empresa eram pacotes de viagem.
Contudo, os visitantes do site originados de Ads (como o banner acima) possuíam uma baixa taxa de conversão na ação que deveriam fazer a seguir.
Era esperado que após ser redirecionado ao site o próximo passo deste visitante fosse selecionar um dos pacotes de modo a obter mais informações.
Há 9 anos, contudo, direcioná-lo para uma lista de pacotes em que necessariamente seu pacote de interesse e similares estivessem destacados era algo que dependia de um esforço pontual do time de engenharia - de modo que os mesmos acabavam sendo direcionados para páginas mais genéricas.
Ao identificar esse desafio, a equipe desenvolveu um produto interno para o time o próprio time de marketing pudesse customizar as páginas de redirecionamento - gerando centenas de variações e acelerando testes.
Loft
Já na Loft, um dos produtos internos é um algoritmo que usa machine learning para identificar padrões complexos de sucesso em nossos anúncios através de Ads, gerando decisões mais inteligentes.
O resultado de sua implementação foram reduções críticas no CPL (custo por lead) e, consequentemente, no CAC (custo de aquisição de clientes).
Mas também vale ressaltar que a necessidade de uma solução proprietária para endereçar o desafio é um bom exemplo de como benchmarks reais fogem das receitas que normalmente lemos em livros e blogs: a maioria dos marketplaces tem produtos e serviços que irão se repetir em sua “prateleira”, permitindo um aprendizado mais simples sobre seus anúncios.
No caso específico de apartamentos, eles nunca são idênticos e, portanto, seu ciclo de aprendizado é sempre parcial.
Olhando para estudos de casos de impacto indireto você também vai notar vestígios de como a realidade nua e crua foge aos padrões que nos seriam convenientes.
Estudos de caso de impacto indireto
A maioria das jornadas de cliente que nós - “na física” - iniciamos funciona da seguinte maneira:
Lemos em algum site ou sabemos por algum amigo que certa empresa promete alguma entrega de valor específica.
Vamos supor que essa entrega de valor, seja aumentar seja retornar 210% do CDI de todo valor que deixar na carteira virtual da empresa - com direito a saque imediato quando bem entender.
Sabemos que podem existir asteriscos e letras miúdas nesta promessa, mas supomos que a empresa não se arriscaria a colocar o rendimento em suas comunicações sem qualquer compromisso com a verdade.
Essa dedução pode ser reforçada caso a marca seja conhecida. Além disso, sabemos que uma empresa de certo porte tem muito a perder em um eventual processo jurídico relacionado a uma promessa de certas naturezas específicas (financeira, jurídica, de saúde, etc).
Este é o caso real do Picpay. Mas a natureza dessa feature de produto/solução na proposta de valor pode ser observada em casos como:
- Nubank entrando no mercado com cartão de crédito sem anuidade
- QuintoAndar operando aluguel sem fiador
- Trybe criando um curso de programação de software em que aluno paga após estar empregado
- Buser permitindo que você faça viagens interestaduais por metade do preço do mercado
- Shopee permitindo que você faça compras sem valor mínimo com frete gratuito
- Robinhood oferecendo corretagem gratuita para compra de ações
Em nenhum destes casos temos exatamente uma feature de produto digital. A tecnologia participa como enabler de um processo ou de uma decisão da empresa envolvendo modelo de negócio e/ou queima de caixa.
Ainda assim, temos uma característica de produto/solução que gera impacto na jornada do cliente/usuários - em especial na aquisição.
É possível mensurar se o CAC vai reduzir em 30% ou 50% frente a esse diferencial competitivo? Em muitos casos não. Ou, pelo menos, não de forma preditiva e consistente.
Não podemos ignorar, contudo, que viabilizar uma característica como essa em sua solução tende a gerar maior impacto que otimizações incrementais.
Como disse o ex-CMO da Drift:
Também vale notar que os exemplos acima se debruçaram em demandas de mercado previamente existentes e especialmente claras.
Capturar uma necessidade cujo lead não precisa ser previamente “evangelizado” (alugar um lugar pra morar; fazer seu dinheiro render; visitar a família) faz parte deste tipo de alavanca de crescimento de produto.
Flywheel ou Efeitos compostos
Também é na etapa de aquisição que já começa a se evidenciar eventuais efeitos compostos do modelo de uma empresa operar.
Esta é uma pauta longa e digna de outro artigo inteiro, mas para sintetizar, muitos dos exemplos de mais rápido crescimento dos últimos anos tinham efeitos compostos em seu modelo.
O conceito envolvido aqui tem o Uber como seu mais simples exemplo. A aquisição de um motorista adicional não se resume ao seu impacto em si, mas contribui também para a aquisição de passageiros adicionais - que contribuem para motoristas adicionais em um ciclo virtuoso.
A imagem abaixo ilustra 6 tipos de efeitos compostos:
Os exemplos acima requerem certo bom senso de interpretação. Forçando a barra, você consegue ver efeitos compostos em tudo, mas é importante notar que a ordem de grandeza dos mesmos faz toda a diferença.
Imagine que um passageiro adicional impacta na aquisição de 0,3 motorista, que traz mais 0,09 passageiro, que, por sua vez, traz mais 0,03 motorista. Você tem aqui uma razão objetiva de crescimento acumulado de cerca de 20% por unidade adicionada.
O que é diferente de quando você tem apenas na sua tese que usuários do seu business estão gerando um efeito similar sem clareza de impacto ou com impacto irrisório.
Para complicar a vida, modelos preditivos para efeitos compostos são raros e é bem provável que a métrica oscile conforme o crescimento da empresa.
Para citar um último exemplo - um pouco mais complexo - podemos notar que Booking.com cria um poder de barganha objetivo e inquestionável com os hotéis ao se tornar o site de referência das pessoas e aprimorar a engenharia de growth de seu canal de forma superior aos concorrentes.
Sintetizando, a etapa inicial da jornada do seu cliente/usuário é provavelmente a mais inóspita. Sem a capacidade de traquear eventos, atividades e comportamentos, você vai precisar mostrar domínio de seu mercado, modelo de negócio e canal.
Apesar disso, o impacto se aproxima do infinito uma vez que se você imagina seu funil começando por seu TAM (total addressable market) é certamente na primeira etapa Não-lead para Lead que você possui a maior quebra de conversão atualmente.
Na próxima parte deste artigo vamos falar das duas zonas mais frequentemente discutidas de Product Growth - ativação e onboarding.
Recentemente, entrevistei o Gui Lopes, fundador da RD Station que guiou o case de PLG na empresa e me abriu diversas métricas e comportamentos de safra sobre o que vivenciaram. A foto abaixo não me deixa mentir:
Não vou dar spoiler aqui, pois espero te ver na parte 3/5 de [Quase] Tudo sobre Product Growth!
Até mais!