No mês passado eu tirei as primeiras férias realmente longas (2 semanas e meia) em dois anos e a ideia era não pensar sobre trabalho, apenas comer muito macarrão, beber vinho e ver pessoalmente todas as obras de arte que vi na aula de história, enquanto visitava a Itália.
Bem, se você está lendo este artigo, provavelmente eu tenha falhado no primeiro objetivo.
No meio das férias era hora de visitar Florença, localização da Galeria da Academia de Belas Artes. Com um acervo bem pequeno, a estrela do lugar é Davi, uma estátua finalizada por Michelangelo em 1504 — ele levou 3 anos para conclusão do projeto, que começou em 1501.
Davi é uma estátua monumental de 5 metros de altura e, como o nome sugere, retrata o personagem bíblico antes da luta com Golias. Com esse contexto em mente, minha expectativa era chegar à Galeria, ficar chocada com o tamanho e nível de detalhes da obra, tirar algumas fotos e sair. Porém, nos 5 primeiros minutos, o guia que estava conduzindo a visita roubou 100% da minha atenção ao dizer:
"Vocês vão, sim, ver Davi e vão ficar impressionados. Mas eu gostaria que vocês prestassem mais atenção no que é ainda melhor nesta exposição: o processo de Michelangelo para construir suas obras"
Como o processo de construção poderia ser mais fascinante que uma estátua gigantesca em mármore com veias que pareciam de fato de uma pessoa viva? Pois é.
Criação x framework
Em 1500 os escultores seguiam um padrão bem simples para fazer suas estátuas: eles criavam moldes e esses moldes eram usados como medida para trabalhar no mármore. Esse era o framework mais usado na época e segue sendo usado até hoje pela maioria dos artistas que trabalham com esse material.
O ponto surpreendente é que Michelangelo não utilizava esses moldes. Ele simplesmente usava sua própria visualização de como a estátua seria e começava a esculpir diretamente no mármore, da frente para trás e com uma riqueza de detalhes que só ele tinha. A justificativa? Na época o artista dizia que as estátuas já estavam dentro da pedra, eles apenas as libertava - traduzindo para a vida real, ele tinha um talento absurdamente grande para projetar na própria cabeça e uma execução perfeita. Ou seja, Michelangelo foi o primeiro a dizer que frameworks não funcionam.
Nessa história toda, o que me fez pensar muito sobre trabalho foi o quanto frameworks são ótimos quando validados e, ao mesmo tempo, o quanto precisamos saber quando não usar nenhum deles. Confuso, né? Mas vamos lá.
Nem todos nós somos Michelangelos. Na verdade, pouquíssimas pessoas são ponto fora da curva, a pessoa que faz coisas excelentes apenas usando seus talentos naturais. Isso significa que aprender com os erros dos outros, entender como metodologias foram criadas e que problemas resolvem, podem ser nossa chave para fazer coisas muito boas, assim como tantos outros artistas que seguiram e seguem o framework da época para fazer suas peças como, por exemplo, Aleijadinho.
Usando frameworks a seu favor
Mas é importante entender que nem tudo que funcionou ou funciona para os outros vai funcionar no nosso contexto e, às vezes, tentar encaixar algo que não nos cabe pode ser o que nos impede de ser muito melhores (ou até de sermos as melhores em algo).
Pessoalmente, acredito que entender o motivo de certos direcionamentos existirem sempre vai ser a melhor forma de não cometer erros que outros já cometeram, sem perder nossa capacidade de adaptação e análise crítica. Se o que funciona hoje é misturar muitos frameworks, metodologias e direcionamentos, nasce daí um novo jeito de fazer coisas e que pode ou não ser replicado. Mais do que isso, talvez essa seja a melhor coisa da área de produto: ser dinâmica e ter abertura para experimentar tantos jeitos diferentes de fazer o mesmo trabalho.
Apesar de eu nunca ter acreditado muito em frameworks perfeitos, ouvir e ver a história sobre Michelangelo em suas obras mais conhecidas e, principalmente, nas inacabadas, me fez pensar que cada vez mais precisamos gastar tempo pensando no porquê fazemos as coisas, e menos buscando a receita de bolo.
Afinal, o lado bom de não trabalhar com peças gigantescas de mármore é que podemos testar coisas novas, errar, aprender e começar tudo de novo sem perder todo o trabalho.