O cemitério de bicicletas

Estamos refletindo sobre os produtos que estamos criando? Estamos pensando no impacto social ou ambiental negativo que nossos produtos estão gerando?

O cemitério de bicicletas

Você já ouviu falar de um cemitério de bicicletas?

Pois é, eu também não tinha. 

Mas recentemente fui impactado com o tema lendo um post no instagram da revista trip, e ele disserta sobre como as empresas de locomoção, ou startups que viram na questão da mobilidade uma ótima oportunidade de empreendimento, se depararam com várias dificuldades não planejadas e acabaram fechando as portas. 

Mas antes de chegarmos no cemitério. Vamos navegar por um caminho que debate o que é e como se valida uma boa ideia. 

Então, debatendo o que é ou não uma boa ideia, acredito que podemos estabelecer alguns critérios para isso: 

  • Ela soluciona algum problema?
  • Ela é rentável?
  • As pessoas querem consumir ou usar esse serviço? 
  • É escalável?

Se você está pensando em empreender e quer saber se sua ideia é boa ou não, tente ver se ela responde essas quatro perguntinhas. Se sim, provavelmente ela é. Se ela responde apenas algumas, ela talvez seja uma boa ideia e se ela não responde nenhuma, provavelmente não é uma boa ideia.  E a ideia de bicicletas alugadas para locomoção parecia ser uma ideia ótima. 

Veja bem, ela ajuda a solucionar o problema da mobilidade dos grandes centros urbanos, que se veem apinhados de carros, ônibus e metrôs (quase sempre lotados). Se tivermos mais pessoas andando de bicicleta, teremos menos pessoas utilizando esses outros meios de transporte. Além de contribuirmos para o meio ambiente, emitindo muito menos gases poluentes para atmosfera já que as bicicletas não emitem monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx) e hidrocarbonetos.

É uma ideia rentável, pois, os usuários pagam por aluguel, quilometragem ou pelo tempo de uso. Então, quanto mais pessoas utilizando por mais tempo, mais grana no bolso das empresas e dos investidores. 

Desde o boom das redes sociais e perfis de criadores de conteúdo do mundo fitness e do mundo da saúde, é notável que a sociedade passou a querer cuidar mais da saúde e se preocupar mais, tanto com o próprio corpo quanto com o meio ambiente. Então sim, havia demanda! Muita gente insatisfeita com a má qualidade de vida no trânsito passando horas em engarrafamentos dentro do carro, ou apertados nos transportes públicos iriam querer usar e até passaram a utilizar esses meios de transporte alternativos.  

E sim, era um modelo muito escalável! Pois, produzir bicicletas tinham um baixo custo, e expandir de bairros para centros urbanos, e de centros urbanos para capitais e grandes metrópoles e depois para outros países, não era fácil, mas era possível. 

Então, respondendo as quatro perguntas pré estabelecidas, conseguimos afirmar que uma empresa focada em mobilidade de aluguel de bicicleta tinha uma ideia maravilhosa no colo, bastava um pouco de investimento para comprar ou produzir as bicicletas (e aqui podemos aplicar a mesma lógica para os patinetes) e a tecnologia por trás do método de pagamento e do aluguel do veículo, pronto, a empresa poderia rodar um mvp e em 6 meses ou 1 ano ser a mais nova unicórnio do momento. 

Porém, algumas coisas não estão sendo pensadas quando paramos para analisar os detalhes desse assunto. A primeira delas, são as leis de trânsito e a infraestrutura das cidades para terem tantas bicicletas (ou patinetes) circulando por aí.  Outra é a questão dos roubos e áreas de atuação em zonas de risco. 

Acidentes envolvendo ciclistas e o valor das tarifas também podem ser um problema. MAS o maior de todos veio em 2020. E se chamava: Pandemia. 

Se ninguém sair de casa, se ninguém for trabalhar ou ao mercado, não há mobilidade. E sem mobilidade, não há utilidade para bicicletas e patinetes.

E aqui voltamos nos cemitérios. O desejo de produzir mais, de salvar o planeta e ajudar as pessoas em situação de estresse, ansiedade e com baixa qualidade de vida, se transforma curiosamente muito rápido no seu oposto. 

Por conta de todos esses fatores não pensados pelas startups de mobilidade, as empresas foram ruindo, falindo, e saindo do mercado. Investimentos quebrados, pessoas demitidas, marcas destruídas e nomes machados. Mas o que ficou foram, adivinha só, as bicicletas!

Centenas de milhares delas espalhadas pelas cidades, jogadas ou “largadas” em qualquer lugar. 

Na China, o governo recolheu esses veículos, e os colocou num único local. Foi batizado de “cemitério de bicicletas”. Esse monte de aço, ferro e borracha entulhados num único lugar sem a menor ideia do que fazer com tudo isso. 

E aí eu trago a reflexão:

Estamos refletindo sobre os produtos que estamos criando? Estamos pensando no impacto social ou ambiental negativo que nossos produtos estão gerando? Normalmente, tentamos pensar apenas nos pontos positivos, e em como nossa ideia é incrível e como ela vai mudar o mundo e principalmente, encher o nosso bolso de dinheiro. 

MAS, e o que sobra? E o que fica? E daqui 100 anos quando você, eu, e mais ninguém que você conhece estiver aqui? Onde estarão os nossos produtos? O que será deles? 

E é um caminho sem saída, porque se construirmos produtos ou serviços descartáveis, eles logo trarão poluição de alguma forma por conta do descarte a curto prazo. Mas se formos para outro lado e criarmos produtos sólidos, duradouros e longínquos, como minimizar esses impactos negativos desses produtos que estamos criando hoje e que perpetuarão aí por dezenas ou até centenas de anos?

As respostas dessas perguntas não existem, as a reflexão para chegar nelas sim, e eu estou te convidando a refletir comigo: será que o produto ou serviço que eu estou criando, vai de fato mudar a vida das pessoas hoje e no futuro, ou eu to só criando um próximo ou contribuindo para a construção de um cemitério de bicicletas?