O Jogo
Muitos de nós ainda lembramos que, quando ainda éramos crianças, sempre que tínhamos as "olimpíadas" da escola, tínhamos alguns jogos que eram os preferidos. Muito antes do Round 6 e do personagem 001, o cabo de guerra era uma das brincadeiras em que sabíamos que a "estratégia" faria toda a diferença. Por maior que fosse a preparação individual dos times, havia apenas uma certeza: Independente da estratégia construída para chegar ao resultado, um dos times perderá. Não havia ganha-ganha ou benefício percebido para as duas equipes.
Há algum tempo, ouvi um comentário em uma agenda estratégica que foi: "Temos que parar e juntar os times para que não fiquem puxando cada um para o seu lado". Essa frase apreensiva, me fez refletir sobre como vejo muita preparação estratégica/tática acontecendo nos times, mas na maioria das vezes de forma individualizada. Exatamente como no cabo de guerra! Mas e de forma transversal, em produtos de grandes organizações que impactam uma mesma jornada ou estão organizados dentro de uma mesma Business Unit, Tribo, Value Stream ou por algum outro fator de sinergia, como isso tem acontecido?
Em um olhar rápido sobre essas estruturas, percebemos que vários são os produtos a serem construídos ou evoluídos para a solução dos problemas que se propõem a resolver determinadas organizações. É comum que, nesses casos, sozinho, nenhum produto consiga levar ao sucesso de toda organização ou estrutura em questão, devido, especialmente, a amplitude do "escopo" e desafio. É por isso que a estratégia alinhada aqui, também faz toda a diferença no resultado geral.
Atualmente temos visto um movimento das grandes empresas com experimentos, construção e aprendizados sobre estruturas para apoiar/suportar a gestão de produtos "em escala", o que é ótimo. Ainda assim, mesmo em meio aos experimentos ou já em novas estruturas, percebemos alguns dos sintomas que nos fazem questionar sobre a eficácia dessa cultura que está sendo almejada. Listei aqui, de forma não exaustiva, alguns destes sintomas que talvez você irá reconhecer:
- Usuária ainda não é ouvida;
- Pouca ou nenhuma visibilidade da estratégia organizacional para os times;
- Falta de embasamento em dados;
- Retrabalho ou trabalho duplicado em diferentes times/estruturas;
- Baixa sinergia entre produtos causando atritos na experiência final;
- Disfunções nos papéis de produto e negócio;
- Cobrança por quantidade de entregas ao invés de valor gerado;
- Excesso de momentos para Reports.
Em contextos onde percebemos tais disfunções, vivenciamos algo parecido com um grande cabo de guerra corporativo, onde a gerenciamento de produtos tem se aplicado aos times para que cada puxe a corda para o seu lado, da forma mais eficaz, na busca por resultados legítimos, exatamente como se fazia na escola. Mas que, por vezes, pode não estar alinhada realmente com um propósito maior da organização. Diferente do resultado que se espera em um jogo de cabo de guerra, em uma visão estratégica do portfólio de produtos dentro da mesma organização, BU, Tribo, Value Stream ou Jornada, todos deveriam ganhar. Nem sempre em resultado, é verdade, mas certamente em aprendizado compartilhado dos produtos, conhecimento sobre usuárias e construção colaborativa de uma evolução sustentável para a experiência e para o negócio. E como fazer isso?
Todas puxando para o Mesmo Lado
A principal intenção aqui é de compartilhar um pouco sobre como foi minha experiência em contextos onde precisávamos tornar esse alinhamento estratégico efetivo, passando pelo processo utilizado, os benefícios e os aprendizados ao longo de cada tópico. Para isso, iremos nos guiar pelas premissas importantes para que um verdadeiro alinhamento aconteça nos contextos que discutimos até aqui: 1. Materialização da estratégia; 2. Construção colaborativa e comunicação frequente; 3. Reduzir barreiras de estruturas organizacionais; 4. Evolução incremental.
Materialização da Estratégia
Em minha experiência, um dos artefatos estratégicos mais potentes que usei e vou trazer aqui para nos ajudar nessa construção é a LVT (Lean Value Tree).
(Estrutura Base LVT - Fonte: Edge: Value-Driven Digital Transformation)
Mas o que é a LVT? É um artefato para visualização e comunicação da estratégia, facilitador de decisões de investimento, bem como uma ferramenta para alinhamento entre times. Na estrutura base, podemos ver logo no topo a Visão, que deve descrever objetivamente qual estado futuro que se espera alcançar. Logo abaixo, conectamos os Objetivos, que precisam dar visibilidade de como iremos nos conduzir à visão proposta. Em seguida, as Apostas, que mostram como acreditamos que podemos atingir os objetivos em questão. Com a visão, objetivos e apostas definidas, é hora de identificar as iniciativas que darão visibilidade ao que estamos fazendo em relação à aposta priorizada.
Importante destacar que, em todos os níveis da LVT, é muito importante que se tenha claro qual é a medida de sucesso para que esse artefato seja relevante e vivo, não apenas para os times, mas também para a gestão estratégica de portfólio.
(Exemplo Construção Lean Value Tree)
A materialização da estratégia proposta, seu desdobramento e conexões, irá auxiliar na tomada de decisão alinhada nos diversos níveis da estrutura e, constantemente, em sinergia com a proposta de valor almejada. É a partir deste passo que se torna conhecida qual a direção correta para os produtos/times conduzirem seus esforços, evitando assim, a armadilha de conduzirem suas decisões para lados opostos como equipes competindo entre si no cabo de guerra.
Construção Colaborativa e Comunicação Frequente
Vale iniciar aqui com um alerta!
Não importa quão estratégica, coerente, bem descrita, objetiva e bem feita visualmente a sua LVT seja. Se ela for construída e comunicada unilateralmente, não passará de um ppt ou artefato para ser consultado em algum momento no futuro (isso, se for consultado).
Então, quais seriam os passos para a construção do que vimos até aqui:
- Descrever a Visão macro
- Definir os Objetivos em alto nível
- Descrever critério (mensurável) de sucesso dos objetivos
- Identificar as Apostas priorizadas
- Identificar as Iniciativas
- Visualizar o portfólio completo para mapear investimento atual e futuro em objetivos, apostas e iniciativas
- Descrever critério (mensurável) de sucesso das apostas e iniciativas
- Iterar e Refinar baseando-se em feedbacks e novas informações
Em quase todos os passos listados é possível que uma pessoa, que está envolvida diretamente nas discussões estratégicas, acredite que é capaz de realizá-los de forma individual para "não fazer os times perderem tempo". Mas isso não é verdade! Por maior que seja o conhecimento de uma pessoa sobre os temas abordados, um dos grandes aprendizados neste trabalho é que: o valor da construção colaborativa está no alinhamento criado e nas diferentes visões que serão agregadas ao se abrir espaço de fala para pessoas, preferencialmente diversas, que estão em outros contextos e com percepções distintas do que está sendo construído.
O valor da construção colaborativa está no alinhamento criado e nas diferentes visões que serão agregadas ao se abrir espaço de fala para as pessoas
"Nossa estratégia é ótima. Tão boa, que não podemos compartilhar para não copiarem!" Dizem as pessoas que realizaram uma construção isoladamente e acreditam que, por uma comunicação da parte "menos importante", todos estão aptos para realizar seu trabalho e alcançar resultados incríveis. Cuidado! Este é um anti padrão que irá impactar diretamente em todas as decisões e, por consequência direta, o resultado alcançado.
A comunicação e o conhecimento contínuo sobre o resultado e as atualizações é fator chave para o sucesso do que está sendo proposto aqui. Dar visibilidade do todo, conectar as iniciativas, compartilhar os resultados e aprendizados é parte da sua responsabilidade na gestão deste portfólio.
Torne o resultado visível e compartilhe ao máximo!
Como está a sua comunicação estratégica? Um ppt diferente a cada novo ciclo ou uma construção conjunta e troca com as pessoas de produto e times na busca pelo tão esperado valor?
Reduzir Barreiras da Estrutura Organizacional
Estamos falando a todo momento sobre conexão e sinergia, correto? Então, não podemos pensar na LVT como um artefato que irá replicar as nossas estruturas organizacionais e, com isso, criar silos estratégicos nos levando novamente às disfunções conhecidas.
Independente da estrutura para qual se está buscando construir essa visão e gestão de portfólio, pense que a visão precisa estar unificada e a responsabilidade sobre cada ponto deve ser distribuída conforme a priorização e o domínio de cada produto/time.
Aqui talvez esteja o ponto que é mais difícil de se achar dando um google por ai. Por que precisa fazer sentido para o seu contexto! Os objetivos não precisam ser responsabilidade de um único produto/time e, dependendo do contexto, provavelmente não são mesmo. Através desta visão integrada, você poderá observar outros aspectos, como capacidade, investimento, foco e outras análises que serão construídas e aprimoradas com as iterações do processo.
Como exemplo, podemos pensar da seguinte forma: As Apostas são as hipóteses que queremos validar (ou invalidar) e que podem estar relacionadas ao propósito de um produto/time, que irá trabalhá-la através de sua(s) iniciativa(s), ou a um escopo mais amplo que contará com iniciativas de diferentes produtos/times. Da mesma forma, os objetivos podem ser estruturados com esse racional, sempre dando visibilidade de forma simples e objetiva de como (e se) os produtos estão alinhados em relação ao propósito maior!
(Exemplo Distribuição Lean Value Tree)
Sempre dando visibilidade de forma simples e objetiva de como (e se) os produtos estão alinhados em relação ao propósito maior
O principal ganho desta forma não fragmentada é a possibilidade de um olhar constante sobre a evolução da estratégia macro e a construção de um processo de gestão ágil, através de indicadores de resultado e investimento, que permitam a otimização real da decisão com uma visão estratégica de médio e longo prazo, sem que o imediatismo e a orientação por volume de entrega se torne variável decisiva na discussão.
O principal ganho desta forma não fragmentada é a possibilidade de um olhar constante sobre a evolução da estratégia macro e a construção de um processo de gestão ágil, através de indicadores de resultado e investimento, que permitam a otimização real da decisão com uma visão estratégica de médio e longo prazo
Evolução Incremental
Comece com o que você tem! Não espere um novo ciclo de planejamento ou que alguém busque uma solução alternativa para o que estão vivenciando agora, ou até mesmo, que tudo pare por algum tempo para que seja possível a implementação deste artefato e das melhorias que podem derivar dele.
- Mapeie todo o trabalho existente na estrutura em questão (incluindo sustentação);
- Identifique os investimentos financeiros e os resultados pretendidos;
- Divida o trabalho existente conforme necessário (seguindo a linha de raciocínio aplicada no último exemplo);
- Agrupe através das hipóteses que cada trabalho poderia estar investigando e identifique qual indicador de sucesso é aplicável para a hipótese. Essas serão suas Apostas e os indicadores relacionados;
- Agrupe as Apostas em Objetivos comuns;
- Iterativamente, revise as relações e descrições caso necessário;
- Visualize o mapa completo.
Mudanças serão necessárias! Este exercício irá expor pontos de desalinhamento e identificar quais decisões precisam ser tomadas relacionadas ao trabalho em andamento. Com o processo acontecendo, a colaboração na construção/revisão e os Feedbacks, farão com que seja possível seguir criando ciclos cada vez mais orientados ao resultado esperado, com indicadores claros de sucesso e com entendimento de como cada produto pode contribuir para o todo!
Os Ganhos
Por fim, gostaria de destacar os principais pontos de aprendizado e ganhos percebidos durante e após uma construção seguindo este racional compartilhado até aqui:
- A aprovação/patrocínio dos principais Stakeholders pode ser muito complicada quando apresentados a uma versão teórica. O que torna a conversa prática e os benefícios claros é a construção de um exercício prévio, tornando visíveis as oportunidades e habilitando decisões e momentos para dar sequência a evolução incremental proposta.
- O embasamento através de métricas quantitativas é fundamental para que seja possível um olhar sobre a evolução de cada ponto da estratégia e a construção de uma percepção sobre os ganhos deste formato proposto. Mesmo que em alguns casos este ponto pareça uma realidade distante, é importante uma dedicação especial para que se definam e busquem os dados pertinentes. Se não podemos mensurar, não saberemos se realmente chegamos onde gostaríamos e também não saberemos se os produtos estão efetivamente contribuindo na mesma direção do resultado esperado.
- A construção da LVT não pode terminar na definição ou mapeamento inicial. O resultado visual precisa ser um material vivo, sendo instrumento para suportar e conduzir as discussões de priorização, investimento e gestão.
Os resultados certamente serão percebidos em distintas formas dependendo, especialmente, do problema que você está buscando resolver, tornando possível demonstrar, através de números capturados, o valor entregue de forma eficaz. Da mesma forma, se esse for um ponto de dor na sua estrutura, ficará evidente uma melhora significativa na comunicação e alinhamentos nos processos para os produtos. Estes resultados não serão necessariamente comparáveis entre distintos contextos, pois não estamos falando de uma solução padrão "de prateleira". Trata-se sim, da aplicação prática de um artefato para a construção de uma visão integrada, buscando uma mudança na orientação do portfólio para resultado e dando maior visibilidade sobre impactos e investimentos para potencializar os novos ciclos e a tomada de decisão.