Se você é mais jovem, talvez não saiba muita coisa sobre como era o mundo antes dos sistemas Android e iOS, mas o fato é que o BlackBerry foi uma grande revolução no mercado dos dispositivos móveis no início dos anos 2000. Esses celulares eram tão populares que foram apelidados de "CrackBerries" e conquistaram principalmente profissionais que buscavam a liberdade de trabalhar fora do escritório naquela época, sendo um dos primeiros celulares a oferecer funcionalidades análogas às de um desktop.
Recentemente assisti ao filme que narra detalhes sobre a ascensão e queda da RIM (Research in Motion), empresa por trás do BlackBerry, que saiu de uma startup quebrada e caótica de Waterloo para uma gigante global até ser engolida pelo primeiro iPhone com sua tela touch sem teclado físico que mudou para sempre a indústria da tecnologia.
O filme "BlackBerry" oferece várias lições sobre o mercado de tecnologia e a Gestão de Produto, por isso, iremos discuti-las a seguir.
1. Quando o Agile Falha
A primeira coisa que me chamou a atenção ao assistir ao filme foi a forma anárquica como a BlackBerry conduzia suas equipes. O CEO e fundador Mike Lazaridis falha constantemente em se impor como liderança, frequentemente permitindo que o Doug Fregin (co-fundador da RIM), ou qualquer outra pessoa fale por ele. Além disso, a cultura da BlackBerry é anti-agilidade em dois pontos centrais.
O primeiro deles é que o Agile pressupõe que as equipes de desenvolvimento são auto-organizadas, com autonomia para tomar decisões e resolver problemas de maneira colaborativa. Isso requer um nível de maturidade e confiança que definitivamente não se encontra nos engenheiros da BlackBerry, que têm enormes dificuldades de se concentrar e vivem jogando DOOM e outros jogos ou assistindo a filmes e gritando no meio do expediente de trabalho. Nada contra fazer essas coisas de vez em quando, mas o que o filme mostra é uma falta generalizada de compromisso com os objetivos da empresa.
O segundo ponto central de anti-agilidade da BlackBerry parte da recusa do Mike Lazaridis em utilizar protótipos e coletar feedbacks. Enquanto o Agile promove ciclos curtos de desenvolvimento, entregas incrementais e adaptabilidade às mudanças, os engenheiros da BlackBerry, sob a liderança de Mike, focaram em desenvolver um produto perfeito, buscando a máxima qualidade técnica antes de qualquer lançamento, mesmo que isso levasse bem mais tempo que o previsto. O que acabou se tornando cada vez mais insustentável na medida em que o lado do Business ampliava o número de vendas para fugir de uma possível aquisição hostil e o iPhone da Apple começava a entrar na jogada.
Claro, precisamos dar um desconto para a RIM já que o manifesto ágil teve sua primeira publicação em fevereiro de 2001 e a empresa estava fora dos EUA; portanto, é natural que desenvolvimento incremental e iterativo não eram exatamente práticas tão conhecidas.
2. Falta de Visão Compartilhada na Research in Motion
“Organizações aprendem apenas através de indivíduos que aprendem"
Peter Senge
Em várias cenas os funcionários da RIM são representados como se fossem apenas um amontoado de pessoas produzindo tecnologia, não vemos organizações das equipes e sempre que alguma solicitação parte do upstream o time faz questionamentos do tipo: “por que estamos fazendo isso?” e recebem respostas vazias como “porque vocês trabalham no melhor celular do mundo”. A falta de visão estratégica e um objetivo comum se reflete numa apatia generalizada da equipe, que passa a fazer seu trabalho simplesmente por fazer, gerando desmotivação e dispersão de esforços.
De acordo com o pensador sistêmico Peter Senge, liderar exige a construção de um senso de compromisso e um futuro compartilhado dentro da organização, onde todos os membros se sintam engajados e motivados a trabalhar em direção a objetivos comuns. Essa visão compartilhada motiva as pessoas a aprenderem e a trabalharem juntas, coisa que definitivamente não acontecia na RIM de acordo com o filme.