Aos meus mentores e líderes - com destaque à minha mãe, a melhor produteira (não sendo) que conheço
Mentoria não é uma fórmula. É conversa. É presença.
1.
Penso que, se não tivesse encontrado dois ou três nomes na minha carreira, eu seria um profissional completamente pior, menos preocupado e atento. Penso que, se não tivesse encontrado quatro a seis nomes na minha trajetória acadêmica, meus estudos seriam mais solitários, menos prazerosos, mais duvidosos. Seria imprudente não pensar que, se esses quase dez nomes não tivessem me encontrado, eu seria um Enzo mais monótono.
Esse pensamento surgiu diante de um comentário no post no Linkedin, que dizia mais ou menos assim: ‘não consegui encontrar mentores de produtos que me ajudassem. Para mim, simplesmente não rolou’. Felizmente, não consigo compartilhar desse sentimento. A minha caminhada tem como base artistas, professores, mentores e profissionais excelentes de diversas áreas. Inclusive, produteiros vocacionados. Se eu conseguisse mais dez minutos, mais trinta minutos, mais um dia com eles, eu certamente pediria, sem hesitar.
Veio-me, para talvez me completar, um ensinamento. Clément Rosset, filósofo e escritor, trouxe à tona de que Harpagon, protagonista Molière, é avarento. Em outras palavras, a imagem de quem somos é (mesmo que não pareça) uma somatória infinita de outras pessoas que passaram por nós. Só conseguimos ver, no entanto, a última fotografia. E ela é a julgada, afinal.
2.
A frase no Linkedin angustiou-me muito. E talvez eu parta do equívoco de que faltou humildade, ou melhor, talvez imagine que as conversas não tenham sido tão agradáveis quanto deveriam. Ainda assim, ela serve para abrir a percepção e dimensionar, neste texto, uma gratidão exuberante que às vezes deixamos de lado. Dou-me conta de que, por não ter mentores ou ter aparentes mestres à frente, estamos fadados a um caminho mais turtuoso que o natural. É isso que eu quero dizer, como síntese.
Vejo alguns colegas, alguns mais velhos que eu, patinando em dramas pessoais e existenciais, presos numa busca circular, como se o lugar onde estão agora comprometesse seus dias. Tentam, sozinhos, desafiar um desejo deflagrador até melhorarem ou, às vezes, apenas sofrem, acreditando que aquele trabalho penoso não é para eles. Sei que alguns, se tivessem mentores, poderiam simplesmente ter ideias mais claras e lidar com menos incerteza sobre os próprios caminhos. Ou: estariam expostos a mais caminhos possíveis, até então inimagináveis, e pensariam melhor para onde irão.
Não pense que eu, como produteiro e ser humano, mesmo tendo mentores, não sofra, não hesite diante de um comentário, não tenha mais dúvidas que acertos, ou não me angustie nessa busca incansável por sentido. Mas eles, meus fiéis escudeiros, quando preciso, estão ali por mim e inevitavelmente deixam a trajetória mais leve.
3.
Pode parecer redundante, mas aqui vai um conselho elementar: observe os pais. Aprendi com a minha mãe a ter a humildade de estudar, a observar bem, a escutar muito bem. Como diria Adélia Prado: “Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo”. Ela faz parecer fácil o trabalho de um Product Manager, função que sou apaixonado. Lida com diversos problemas, como encanamento, a falta da bisnaguinha na mesa, o vestido apertado que a minha avó recebeu, realiza contas infinitas, prepara-se para o futuro com um protetor solar e com o pensamento, “e se a minha filha não der conta de tudo isso, eu, como mãe, o que farei?”. Ela ensinou-me backlog, roadmap e priorização em casa. Ensinou-me que, se deixasse a faca para o lado interno da mesa, eu teria menos risco de me cortar - e isso é design. Só, às vezes, ela senta e assiste uma novela coreana na Netflix - menos habitual quanto deveria.
A minha mãe é, por excelência e vocação, a melhor Product Manager que conheci. Nós ficamos em casa com a sensação de que sempre temos um inédito caminho para a aceitação do inevitável. É inquieta, questionadora e observadora.
A minha mãe é líder, é mentora, e a melhor PM que eu já conheci - e sinto uma pena imensa do mercado que não sabe ao menos quem ela é.
4.
Estamos todos diante de caminhos inextinguíveis e recentemente ouvi em uma conversa: ‘o mais importante não é a jornada, Enzo, é justamente quem está contigo”. A frase, por mais ingênua que seja, dissipa uma série de névoas que, vez por outra, nos escapa. É comum que nos perguntemos: afinal, o que me diz este trabalho? Afinal, o que me diz essa área onde eu estou trabalhando?
A resposta é singular e depende de autoconhecimento e de muita sensibilidade. Afinal, o produto é feito por pessoas. A mentoria não foge disso também.
5.
Mentoria não é uma fórmula. É conversa. É presença.
Não é performance. É legado. É impacto.
Não aparece no slide final de uma apresentação nem se resume a uma fala bem colocada numa reunião. É algo que ecoa - aprende-se e apreende-se. A carreira, enganando ou não enganando, privilegia o encontro: duas pessoas, a sós, trocando ideias, tempo e atenção. Às vezes funciona. Outras, não. Mas vale sempre estar à procura dos seus próprios mentores, é isso que esse texto quer dizer.
6.
Quando um grande profissional segue sendo lembrado depois da sua despedida (de uma área ou mesmo da saída da empresa) e a sua qualidade humana foi irretocável, é impossível que seu legado não prevaleça. Ter mentores, independentemente da área, acrescenta a tudo isso a lucidez com que entendeu seu tempo além da humildade, mas com muita sabedoria, sabendo como transpor suas dificuldades para o bem simbólico por excelência, uma vida inteira.
Vai por mim - ter um mentor não é pouco. Isso ninguém lhe tira.