Eaí Product Manager! Você sabe para onde você quer ir?

O que você quer com o seu produto?

Eaí Product Manager! Você sabe para onde você quer ir?
Photo by Bruno Wolff / Unsplash

Alice: — Que caminho devo tomar para sair daqui?

Gato de Cheshire: — Isso depende bastante de onde você quer chegar.

Alice: — O lugar não me importa muito.

Gato de Cheshire: — Então não importa que caminho você vai tomar…

Me desculpem, eu gostei de trazer referências que nem sempre são técnicas para embasar a mensagem do artigo.

A citação acima de Alice no País das Maravilhas, exemplifica muito bem o que quero trazer para discussão sobre produtos. Começando com uma provocação: o que você, pessoa de produtos (PO, PM, CPO ou outros), quer com seu produto?

Parece uma pergunta muito simples, mas por incrível que pareça existem muitas empresa que não sabem bem o que querem com seus produtos, que não sabem explorar seus potenciais, ou o que é pior, até sabem o que querem, mas tem uma visão muito descolada da realidade e não conseguem ver com clareza como chegar onde desejam.

Então vamos separar este problema em algumas razões:

  • Falta de clareza no que se quer com um produto
  • Falta de senso de realidade para se chegar ao produto desejado
  • A ilusão da flexibilidade infinita do ágil

Então vamos ao primeiro ponto:

Falta de clareza no que se quer com um produto

Isso é tão comum acontecer. Não é fácil desenvolver um produto e explorar o seu potencial. Quem estiver lendo este artigo e tiver formação em administração de empresas, marketing e entre outros, provavelmente já ouviu falar em miopia em marketing, um artigo escrito por Theodore Levitt nos anos 60 na Harvard Business Review. Neste artigo Levitt trás um estudo de caso com a companhia ferroviária americana que não percebeu para onde as mudanças dos interesses dos clientes estava apontando, levando a sua ruína depois de viver anos grandiosos na indústria.

Levitt foi brilhante e um dos pioneiros a defender que devemos estar sempre atentos às mudanças do mercado (principalmente no que o cliente quer) para nos manter vivos enquanto negócio, grandes oportunidades passam muito rápido. Este artigo foi um marco para o marketing estratégico. Anos mais tarde, outros autores como o professor de Harvard Michael Porter, criador das 5 forças de Porter que também defende que, enquanto empresas, precisamos saber quais as 5 forças que nos direcionam estrategicamente (clientes, novos entrantes, fornecedores, concorrentes atuais e substitutos).

5 porter’s forces

O que os dois autores trazem é que é muito importante estar atento às mudanças. Entretanto com a digitalização do mundo está cada vez difícil conseguir acompanhar essas mudanças, deixando até um cenário de impotência para o time de produtos de: como reagir a tanta mudança ao mesmo tempo?

Neste cenário esquizofrênico que vivemos é importante dar um passo pra trás e refletir: O que você quer com seu produto?

Um produto serve para ser vendido (óbvio), para ser vendido alguém precisa comprar (também óbvio), para haver compra é necessário que haja um match entre necessidade e desejo (SEBRAE, 2019) (óbvio, mas esquecemos disso muitas vezes no dia-a-dia).

Então o que é muito comum nas organizações, principalmente no pós MVP é começar a ansiedade de acompanhar concorrentes, de pivotar para novos modelos, integrar novos serviços e etc. Entretanto, será que 100% das oportunidades no mercado valem a pena serem perseguidas? Você sabe quando olhar uma oportunidade, reconhecer que ela é boa e mesmo assim abrir mão dela?

Este é o famoso trade-off, que é o ponto de decisão entre duas situações opostas (CAMBRIDGE, s.a), uma delas precisamos abrir mão.

Esse dilema ocorre em todas as empresas, é mais frequente em nas startups e em empresas cujo papel de produtos ainda não tá bem claro para os times (o que é um ponto bem preocupante, já que o tema produtos está crescendo muito e tem muita desinformação sobre o trabalho no mercado). Este dilema é facilmente vivido em dois momentos:

  • Quando estiver começando, pois é normal termos uma grande ideia e que ainda não sabemos direcionar ou determinar quem é nosso público.
  • Quando começamos a sentir que queremos pivotar nosso negócio, geralmente logo quando validamos o MVP e já queremos ganhar o mundo e explorar novos caminhos.

Hoje com oportunidades de mercado em ascensão, cenário favorável para criação de novos modelos de negócio criam muito anseio para explorar novas oportunidades e você pode se ver em um beco sem saída, por isso é muito importante seguir alguns passos.

1# defina onde você quer chegar

Parece uma pergunta muito simples, mas acredite, muitos empresários não sabem dizer concretamente o que querem, ou a partir de uma boa ideia inicial não sabem explorar bem quais oportunidades seu negócio é capaz de alcançar.

Uma das dinâmicas que podem ser de grande auxílio neste momento é separar cada tema que tenha sinergia em um mindmap, diagrama popularizado nos anos 70 pelo inglês Tony Buzan (sim, esta técnica tem um pai!) e muito eficiente até hoje. É uma forma visual bem simples de se estruturar nos diversos temas que podem surgir a partir de um MVP.

product mindmap example

2# estabeleça seus limites

“Aquele que quer ser tudo não pode ser nada.” Arthur Schopenhauer.

Arthur Schopenhauer

Fazer um mindmap faz a nossa mente fluir, o excesso de fluidez da mente pode fazer com que nos deparemos com algo até que comum: falta de foco. Entretanto, tão importante quanto deixar a criatividade fluir, é saber que nunca teremos um produto 100% finalizado. Esta é a grande magia que separa o pensamento de produtos do pensamento de projetos — vou abordar mais esta diferença entre pensamentos em outra oportunidade.

Quando estamos crescendo é normal nos vermos em cenários que queremos evoluir, mas não queremos deixar para trás o que já alcançamos. E poucos executivos por aí consegue ter clareza que nem sempre estamos prontos para navegar em novos horizontes. Ou tem clareza que algo deverá ser sacrificado.

Exatamente por isso que depois de feito mindmap, eu, particularmente, gosto de fazer uma matriz de É… Não é… Faz… Não faz… para separar bem quais são meus limites, até onde vou e até onde não faz sentido explorar. Essa técnica é parte integrante das técnicas de Lean Inception, workshop colaborativo de product discovery criado por Paulo Caroli.

Esta dinâmica vai te ajudar a estabelecer quais são seus limites, depois de estressar todas as possibilidades em um mindmap essa visão auxilia a criar um norte do que é mais relevante dentro dos possíveis caminhos a se percorrer.

Is.. Isn’t… Does… Doesn’t matrix example

Falta de senso de realidade para se chegar ao produto desejado

Depois de completada a fase de saber o que você quer e saber seus limites enquanto negócios, é importante a gente saber o que é preciso para alcançar nossos objetivos.

Quando olhamos os grandes cases empresarias o que mais vemos são pessoas que se deram mal. Kodak, Yahoo, Blockbuster, BlackBerry, por exemplo, são tantos que cria uma ansiedade natural em se inovar, em pivotar e expandir. Tanto que existe até mesmo um museu, o Museum Of Failure (MOX), na Suécia, que celebra este fracasso e nos ensina que “inovação e progresso requer aceitação da falha” (WEST, 2017).

Se inovar envolve riscos, porque ainda tem pessoas que tentam?

Lembra das 5 forças de Porter? Pois é, essa ameaça constante que o mundo de produtos vive faz com que naturalmente no processo de criação de um produto pulemos etapas que seriam necessárias de reflexão, de estudos e etc.

Enquanto produtos, não é esperado que nós tenhamos o domínio técnico de dizer o que é mais fácil ou mais difícil fazer, que saibamos estimar esforços e complexidade de entregas, é exatamente para isso que um time ágil é multidisciplinar (SCHWABER & SURTHERLAND, 2017, P3), precisamos do time técnico e precisamos respeitar o que este time tem a nos dizer sobre o que vamos trabalhar, lembra da síndrome do mecânico? Aí que mora o perigo.

Quando colocamos na equação a pressão crescente do mercado, somada a criatividade de produtos e a necessidade de entrega de um produto, menos a noção técnica da construção necessária, temos a receita para um dos maiores casos de insucesso que vivi nas empresas que produzem software: a falta de noção entre o que se quer e o que é preciso para se alcançar, o que resulta em cobranças e prazos irreais.

Então, logo após sonharmos o que queremos com o produto e definirmos até onde são nossos limites, devemos obrigatoriamente, refinar com os times técnico e compreender o tempo que é levado para o desenvolvimento, só para então termos como fazer promessas aos nossos stakeholders. Na gestão ágil quem estima uma complexidade é o time, não produtos.

“Uma decisão exata sobre a complexidade que um MVP precisa ter não pode ser tomada por meio de fórmulas. É necessário julgamento.” (RIES, 2011, p71)

O que Ries trás nesta frase é que a melhor forma de estimar um desenvolvimento é pela troca entre os membros da equipe, não existe uma fórmula ou método onde pessoas que sejam de negócios possam prever a complexidade ou a duração de um desenvolvimento.

A ilusão da flexibilidade infinita do ágil

Agilidade é algo extremamente perigoso nas mãos de pessoas que não sabem interpretar seus conceitos. Chega a ser um criador de mitos muito poderoso e que impressiona facilmente os CEOs e empresas tradicionais que estão caminhando para se digitalizar.

“Responder a mudanças mais que seguir um plano.” (BECK, BEEDLE, BENNEKUM, COCKBURN, CUNNINGHAM, FOWLER, GRENNING, HIGHSMITH, HUNT, JEFFRIES, KERN, MARICK, MARTIN, MELLOR, SCHWABER, SUTHERLAND e THOMAS, 2001)

Este mandamento de agilidade não está errado. Lembra que falamos neste mesmo artigo sobre As 5 Forças de Porter? É exatamente por isso que responder à mudanças se torna tão crítico. Quando não mudamos, somos engolidos pelos novos entrantes, pelas novas tecnologias, pela concorrência e entre outros. O famoso mundo VUCA — Volatility, uncertainty, complexity and ambiguity, termo criado pelos militares americanos para explicar o mundo pós a corrida tecnológica da guerra fria, ou ainda o mundo BANI — Brittle, Anxious, Nonlinear, and Incomprehensible, (SOUZA, 2020). Onde o mundo é tão volátil e incerto que necessita de mudanças constantes para manter a sua sobrevivência.

Entenda sobrevivência aqui nos mais diversos ambientes: no ambiente de trabalho, nos relacionamentos interpessoais, costumes da sociedade entre outros.

Então um olhar desatento facilmente associa a agilidade como a grande solução ao mundo VUCA/BANI, mas é aí que acabamos caindo em algumas armadilhas.

Troca constante de contexto e muitas tarefas juntas

Troca de contexto é importante para nos mantermos vivos neste mundo volátil, mas quando fazemos isso em excesso no final das contas não vamos conseguir ser produtivos, muito pelo contrário, segundo a PhD em psicologia sul-africana Dr. Ottilia Brown, “a mudança de tarefas pode reduzir cerca de 40% a produtividade”. Principalmente em tarefas que requerem concentração e foco. Ou seja, as trocas de contexto que fazemos nos dia-a-dia tem um peso, e precisamos ter consciência do peso que nossas decisões trarão ao produto.

E quanto temos vários assuntos rolando em paralelo e temos que desprender tempo para cada um deles? Segundo April Perry (2016), perdemos cerca de quase 20% do nosso tempo útil somente mudando nossa cabeça para lidar com um outro assunto, imagina só quando temos mais do que dois assuntos para lidar ao mesmo tempo, uns 5 assuntos, por exemplo?

April Perry’s Chart Context-Switching Matrix, 2016.

Este exemplo que April Perry trás é facilmente compreendido pelos efeito Stroop, efeito evidenciado em 1935 pelo psicólogo americano John Ridley Stroop, onde há um delay entre conseguirmos perceber estímulos distintos em um curto período de tempo (troca de tarefas).

Então quando colocamos estes dois contrapontos temos um paradigma: Mudar é extremamente importante e vital para a sobrevivência, entretanto, mudar requer esforço. É exatamente neste ponto onde o nosso trabalho, o trabalho de produtos é tão importante. As pressões são constantes e veem de todos os stakeholders, mas então como lidar? Um time sólido e onde haja plena confiança vai ser chave para isso, mais uma vez, lembra da “Síndrome do Mecânico”? E do “Ame seus Devs”? É neste ponto onde as coisas começam a se complementar. Quem vai te ajudar a entender os impactos das decisões que tomamos no dia-a-dia, ou das mudanças que somos obrigados a fazer será o time de desenvolvimento.

O profissional de TI é um profissional com skills técnicas, parece óbvio, mas muitas vezes, na vontade de querer atender algum pedido ou oportunidade que surge para a área de negócios negligenciamos como seriam estes impactos.

E o que concluímos com tudo isso?

Um produto sempre tem que ser pautado em uma estratégia. É importante sabermos os nossos limites, saber onde queremos chegar e o que queremos evitar, desenhar e redesenhar constantemente nossas estratégias, já que as mudanças hoje são bruscas e constantes.

Entretanto, mudar requer esforço, requer entender em conjunto com um time multidisciplinar qual será a estratégia para chegar nestes objetivos. Estratégia unilateral, somente com os estímulos de produtos é utopia.

Mudar é preciso, mas mudar requer esforço e requer tempo, e para produtos é importante ter consciência do peso de suas decisões.

Referências

CAROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Editora Zahar. Edição bolso de luxo. Fevereiro de 2010, Rio de Janeiro;

LEVITT, Theodore. Marketing Myopia. Harvard Business Review. caderno de Growth Strategy. Julho-Agosto 2004. Disponível em <https://hbr.org/2004/07/marketing-myopia >acessado em 20/01/20 às 22h03;

NAKAGAWA, Marcelo. Ferramenta: 5 FORÇAS DE PORTER (CLÁSSICO). Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Disponível em < https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/ME_5-Forcas-Porter.PDF >acessado em 20/01/20 às 22h12;

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CAROLLI, Paulo. O que é o método Lean Inception. Caroli.org. 23 de Abril de 2018. Disponível em < https://www.caroli.org/lean-inception/>acessado em 21/01/20 às 19h36;

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