Quando estava na fase de transição de carreira de produto, participei de alguns processos seletivos e entre as etapas estavam a resolução de cases, hoje, inclusive, eles nem são mais comuns (ainda bem). Eu lembro que um deles tinha um gráfico e logo abaixo uma questão para explicar qual o problema que ele apontava.
Olhei para ele várias vezes e não consegui desenvolver, estava com a paralisia analítica. Então, marquei uma sessão de mentoria. Na época, o meu mentor não deu nenhuma resposta exata sobre o que eu precisaria responder, ele fez melhor: direcionou o meu olhar.
Vale ressaltar que, apesar de não trabalhar com produto nessa época, eu já analisava dados, porém mesmo assim me senti paralisada no primeiro momento. E foi por isso que iniciei o artigo com esse disclaimer, porque situações como essa descrita acima, de não saber interpretar os dados, acontecem com muita frequência nas empresas, inclusive, por pessoas experientes.
Mas não saber interpretar as métricas, ou ainda ignorá-las, não leva apenas à paralisia, mas também a tomada de decisões que podem levar grandes organizações à falência.
Confira esse trecho retirado do livro Plataforma - A revolução da Estratégia, que retrata bem esse cenário:
“Analisemos a história da BranchOut. Lançada em julho de 2010, era uma plataforma de contatos profissionais baseada principalmente em um aplicativo que permitia aos usuários fazer conexões para buscar emprego por meio do Facebook. Ou seja, uma variante do Linkedin combinada à vasta rede do Facebook (...) Seu fundador e CEO, Rick Marini, conseguiu atrair US$ 49 milhões em três rodadas de investimento. (...) Sua base saltou de pouco menos de 1 milhão para 33 milhões de usuários entre outono e inverno de 2012. Mas a implosão foi igualmente rápida. Antes que se passassem mais 4 meses, o número de membros despencou para pouco menos de 2 milhões.(...) Mas o erro mais significativo da empresa talvez tenha sido priorizar - medir - as coisas erradas.”
Esse contexto já aconteceu com milhares de outras plataformas, como, por exemplo, o ClubHouse, um fenômeno em 2021, que foi da ascensão à queda em poucos meses. Claro que existem vários pontos que culminaram para esse resultado, mas as métricas, quando utilizadas corretamente, auxiliam onde alocar os investimentos.
Como as métricas podem ser nossas aliadas?
A utilização de métricas para tomada de decisões é mais antiga do que você possa imaginar e está presente em todos os contextos da atividade humana, da área de produto às ações governamentais.
São as métricas que impulsionam as estratégias e as respectivas ações, por isso elas são tão importantes e se bem utilizadas são nossas aliadas, se não, culminam na nossa derrota. Abaixo eu trouxe alguns pontos que acredito que são fundamentais para uma boa relação com as métricas.
Dados refletem acontecimentos do passado
É importante entender que os dados refletem acontecimentos do passado, que podem ou não se repetir. Essa premissa é fundamental, visto que, algumas ocorrências podem ser pontuais ou sazonais e é preciso saber identificar esses cenários para não tomar decisões precipitadas ou se basear em outliers.
Qual a pergunta você quer responder
Antes de analisar qualquer métrica ou indicador, defina primeiro qual a pergunta você quer responder. Parece simples, mas a ausência dessa definição pode te levar a olhar gráficos errados e tirar conclusões rasas. Sabe aquela frase do Gato Cheshire à Alice no país das maravilhas: "Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve". Pois é, é isso!
É preciso saber o momento
É preciso saber o momento da sua plataforma/empresa, pois dessa forma você vai direcionar seu olhar para as métricas que verdadeiramente importam e impactam o seu contexto, não perdendo o foco com métricas de vaidade ou que não retratam a real performance.
Como, por exemplo, o caso acima, da BranchOut, no qual eles estavam focando apenas na quantidade de inscrições de usuários na plataforma, mas se estivessem acompanhando as interações entre eles, perceberiam que os usuários não estavam vendo valor no produto e poderiam ter reagido e direcionado seus investimentos para essa camada.
Outro exemplo para fechar esse tópico é que, quando uma plataforma está amadurecida com um modelo de negócio autossustentável, o grande desafio reside na camada da inovação para retenção dos usuários para continuar se destacando dos concorrentes. Dessa forma, o foco deve estar nas métricas que monitoram as atividades dos usuários, o seu engajamento, para impulsionar a tomada de decisões. Isso não significa que você deve apenas olhar para esse contexto de métricas, tá? (pelo amor de Deus, para não sair reclamando de mim aí depois haha. Essa dica é para direcionar o seu olhar sobre o que realmente importa, dependendo do momento do seu produto os objetivos mudam).
Uma única fonte de dados não é forte suficiente
Por fim, o último ponto é que uma única fonte de dados não é forte suficiente para a tomada de decisão, isso porque, um único gráfico ou uma única entrevista de usuário não vai retratar todo o cenário, ou raiz de algum problema, porque existem variáveis que interferem no contexto e que precisam ser consideradas. É preciso cruzar dados, explorando tipos e fontes diferentes para chegar a uma análise mais confiável.
Na minha resposta da questão do case que mencionei no início desse artigo, primeiro descrevi o que aqueles dados traziam (ou seja, qual pergunta respondia) mas sobre possível problema que ele apontava mencionei que existiam variáveis que precisariam ser analisadas, antes de cravar um diagnóstico. Mas não deixei uma resposta genérica, mencionei que precisaria analisar, por exemplo, os tickets do suporte (ou seja, cruzar os dados quantitativos com qualitativos), para verificar se o problema poderia ser X ou, ainda, que haveria necessidade de um recorte maior de tempo daquele gráfico e de outras métricas para verificar se o problema era Y. ( para os curiosos de plantão, eu passei no processo).
Concluindo
Espero que esses pontos ajudem na sua jornada. Na minha rotina como Product Manager utilizo bastante as métricas para embasar minhas decisões no contexto de plataforma que atuo. Porém, sei que elas proporcionam uma direção, pois não existem 100% de certeza.
Afinal, lembra da premissa que mencionei acima? “Os fatos podem não se repetir”. Mas acredite, sem elas suas decisões se tornam muito mais frágeis, como bem disse William Deming: “Sem dados, você é apenas uma pessoa qualquer com opinião.”
Referências:
- Plataforma a revolução da estratégia — Geoffrey G. Parker, Marshall W. Van Alstyne, Sangeet Paul Choudary
- https://olhardigital.com.br/2021/12/26/internet-e-redes-sociais/o-que-aconteceu-com-o-clubhouse-um-dos-maiores-fenomenos-de-2021/