Série: É possível ser feliz no trabalho? Episódio 3

O dinheiro

Série: É possível ser feliz no trabalho? Episódio 3
Photo by Mathieu Stern / Unsplash

A felicidade é um conceito vasto e multifacetado que tem sido objeto de estudo em diversas áreas, incluindo psicologia, filosofia, e economia. No campo do trabalho, cresce a busca por um ambiente onde as pessoas se sintam felizes e trabalhem com bem estar. É responsabilidade das empresas cultivar esses espaços.

Em uma série de artigos, exploraremos diferentes perspectivas sobre a felicidade, abordando, por exemplo, como a comparação social, o julgamento, os tipos de amizade, e a busca por dinheiro e poder influenciam nosso bem-estar. Hoje falaremos sobre este último tema.

Baseado em pesquisas acadêmicas, teorias científicas e cases referência, discutiremos não só como as pessoas podem navegar melhor esses aspectos para alcançar uma vida mais satisfatória e feliz, mas principalmente como as empresas, lideranças e RH podem impulsionar estes elementos em suas organizações, as transformando genuinamente em melhores lugares para se trabalhar.

A armadilha da busca por dinheiro, fama e poder

A busca pela felicidade no trabalho é um objetivo compartilhado por muitos, mas os caminhos escolhidos para alcançá-la nem sempre levam ao destino desejado. Dinheiro, fama e poder são frequentemente vistos como indicadores de sucesso e, por extensão, de felicidade. No entanto, embora esses objetivos possam oferecer prazeres momentâneos, eles raramente trazem a satisfação duradoura que buscamos.

Dinheiro não traz felicidade. Ele reduz infelicidades

As discussões sobre dinheiro trazer ou não felicidade apresentam argumentos de ambos lados. Aqui, neste artigo, eu trago a perspectiva de que, apesar de ser frequentemente percebido como uma fonte direta de felicidade pelo cotidiano popular, estudos mostram que, na verdade, o que o dinheiro faz é ajudar a reduzir fontes de infelicidade, como estresse financeiro, falta de segurança ou acesso limitado a serviços básicos. Apesar de ser obviamente importante, isso não nos permite dizer que, por si só, o dinheiro seja um gerador de felicidade. 

Observar esta perspectiva com clareza é importante para não correr o risco de enxergar o dinheiro como o caminho para a felicidade e, assim, mergulhar numa busca incessante e tóxica por mais riqueza que pode, e provavelmente vai, te trazer mais infelicidade do que qualquer coisa.

Imagine um profissional que dedica longas horas ao trabalho, sacrificando tempo com a família e amigos, na esperança de que o aumento de salário trará mais felicidade. No entanto, o tempo perdido em experiências que realmente trazem alegria—como passar tempo com entes queridos—pode resultar em uma sensação de vazio, mesmo com a conta bancária cheia.

Antes de culpar a ganância, culpe a homeostase

O exemplo acima facilmente poderia ser descrito como um caso de ganância. Mas a verdade é que até pessoas que fogem do adjetivo podem se ver presas em um ciclo de desejar mais e mais, até quando já possuem uma vida maravilhosa.

A psicologia e economia comportamental explicam isso através do conceito de “homeostase”, onde nossas emoções se adaptam a novas circunstâncias de vida, tornando o prazer de conquistas materiais temporário e insatisfatório a longo prazo.

Essa adaptação é um mecanismo natural que nos ajuda a manter um equilíbrio interno, mas também pode ser um obstáculo quando falamos de felicidade. Quando experimentamos uma mudança significativa em nossas vidas, como um aumento salarial, uma promoção ou a conquista de um novo título, inicialmente sentimos um aumento de bem-estar. No entanto, com o tempo, nossos níveis emocionais retornam a um ponto de referência anterior, e a euforia inicial se dissipa. A promoção, que antes era uma fonte de grande alegria, se torna o novo normal, e a busca por outro objetivo começa, mantendo o ciclo de insatisfação e adaptação em movimento.

A homeostase nos impede de sustentar a felicidade proveniente de conquistas materiais e de status. Por mais significativas que pareçam ser, conquistas envolvendo dinheiro, fama, poder e cargos têm um impacto limitado e temporário em nossa felicidade,  Isso nos deixa constantemente em busca de novos objetivos, sem nunca realmente atingir uma satisfação duradoura.

Centralidade da aquisição: um efeito da homeostase

O conceito de “centralidade da aquisição” refere-se à ideia de que as pessoas são motivadas, consciente e inconscientemente, a adquirir bens materiais como indicador de sucesso e passo funcional para a felicidade. Esse conceito se relaciona com as discussões sobre “materialismo”, sendo inclusive uma correspondência direta de causa/consequência. 

O materialismo é definido pela atribuição de valor na posse de bens e riqueza, e um de seus pontos críticos é que ele pode, na verdade, reduzir o bem-estar em vez de aumentá-lo.

Considere um executivo que mede seu sucesso pelo tamanho de sua casa ou pela marca de seu carro. Apesar de alcançar esses marcos, ele pode continuar insatisfeito, sentindo a necessidade constante de obter mais.

Isso reflete a chamada "esteira hedônica", onde, independentemente de quão boas sejam nossas conquistas, nossos cérebros e emoções rapidamente se ajustam e movem a meta para mais longe, levando a uma busca interminável por algo mais. É como uma expressão prática da homeostase ignorada.

O efeito da esteira hedônica na busca por felicidade

Estudos da Economia Comportamental mostram que, independentemente do nível atual de riqueza ou bem-estar, as pessoas tendem a acreditar que o rendimento ideal é cerca de 40% maior do que o que ganham atualmente.

Philip Brickman e Donald T. Campbell, na década de 1970, concluíram em pesquisas que colaboradores ganhando um salário confortável acreditavam que um aumento de 40% resolveria todos os seus problemas e traria felicidade plena. No entanto, ao atingir essa meta, os mesmos colaboradores definiam uma nova meta de 40%, perpetuando o ciclo de insatisfação.

Superando os limites da homeostase

Para superar os desafios impostos pela homeostase, é importante desenvolver uma compreensão profunda do que realmente traz felicidade duradoura. Estudos indicam que, ao invés de focar em ganhos materiais ou de status, devemos priorizar experiências que promovam o crescimento pessoal, os relacionamentos significativos e a contribuição para algo maior do que nós mesmos. Esses elementos tendem a gerar uma satisfação que não é facilmente superada pela adaptação emocional, fornecendo um senso de propósito e realização que resiste ao tempo.

Por exemplo: Uma liderança que reconhece o impacto da homeostase em sua própria vida profissional pode escolher focar mais em desenvolver sua equipe e em construir um ambiente de trabalho colaborativo e de apoio. Ao invés de perseguir incessantemente mais poder ou prestígio, investe em relações e na criação de uma cultura organizacional positiva, o que traz uma satisfação mais duradoura e resistente à adaptação emocional.

Construindo hábitos que geram felicidade real

Em vez de focar na aquisição de mais dinheiro, fama ou poder, é mais produtivo concentrar-se na construção de hábitos que promovam a felicidade genuína. Segundo BJ Fogg, cientista comportamental de Stanford, a chave para alcançar objetivos é gerenciar as coisas que fazemos diariamente, ou seja, os hábitos. Para isso, é necessário dividir comportamentos em pequenas partes, implementá-los e celebrar cada pequena conquista, fortalecendo assim os circuitos de recompensa do cérebro.

Para melhorar sua qualidade de vida, você pode começar por introduzir pequenas mudanças no seu dia a dia, como reservar cinco minutos para meditação ou caminhar durante o horário de almoço. Ao celebrar essas pequenas vitórias, você reforça comportamentos que trazem bem-estar real, em vez de depender de aquisições materiais para encontrar satisfação.

A Teoria da autodeterminação (Self-Determination Theory - SDT)

Edward Deci e Richard Ryan são dois renomados psicólogos que desenvolveram uma das teorias mais influentes em psicologia motivacional. A SDT oferece uma perspectiva sobre como diferentes tipos de motivação impactam nosso bem-estar e felicidade.

Em sua base, ela distingue dois tipos principais de motivação: a motivação intrínseca, que é alimentada por interesses pessoais, prazer, e a satisfação em realizar uma atividade por si só; e a motivação extrínseca, que é direcionada por recompensas externas como dinheiro, fama ou poder.

Em um estudo envolvendo mais de 200 universitários, Deci e Ryan descobriram que aqueles que priorizaram metas extrínsecas, como ganhos financeiros e status, relataram níveis mais baixos de bem-estar geral após a graduação, em comparação com seus colegas que priorizaram metas intrínsecas, como crescimento pessoal e desenvolvimento de relacionamentos.

A implicação para a felicidade no trabalho

No contexto do ambiente de trabalho, isso sugere que profissionais que se concentram em encontrar significado em suas tarefas, desenvolver habilidades e construir relações significativas estão mais propensos a experimentar uma felicidade duradoura. Por outro lado, aqueles que se fixam em atingir patamares de riqueza ou poder podem rapidamente perceber que essas conquistas, apesar de momentaneamente gratificantes, não oferecem uma felicidade sustentável.

Ao aplicar a SDT, fica claro que o caminho para a verdadeira felicidade no trabalho não passa necessariamente pelo acúmulo de riqueza ou poder, mas sim pelo alinhamento das atividades diárias com as paixões e valores pessoais.

O que as empresas podem fazer?