Tomada de decisão é difícil. Mesmo em assuntos cotidianos, descobrir qual é a melhor opção não é fácil. Há sempre muito a ser considerado, e quanto mais se pensa, mais confuso se fica.
O caminho “comum” para uma decisão é considerar cada um dos aspectos das opções antes de qualquer ação. Entretanto, existe uma maneira mais simples e fácil de se fazer que é explicada neste artigo: perguntar.
Vamos começar com um exemplo de uma decisão que eu acredito que todos que me leem já passaram. Escolher um restaurante para almoçar.
Vamos almoçar!
Imagine que você tem dois restaurantes à sua frente. Você nunca visitou nenhum deles, então não há como usar experiências passadas nessa escolha. Como você é uma pessoa muito analítica, você quer fazer uma boa decisão avaliando todos os aspectos de cada uma das opções. Seguindo as melhores práticas de gerenciamento, a primeira coisa que você faz é considerar toda informação disponível: preço, qualidade, ambiente, serviço e avaliação na internet. Mas tudo isso ainda não é suficiente. Você precisa não apenas coletar todas as informações sobre o restaurante, mas todas as informações sobre os pratos, o que é óbvio já que você vai ao restaurante para comer. O prato é a decisão final.
Até agora, você deve estar achando que escolher um restaurante ponderando cada uma das informações mencionadas (qualidade, ambiente, etc) combinando com a informação sobre os pratos é uma tarefa muito complicada para o final de semana. Você tem a semana cheia de trabalho altamente analítico durante suas horas de trabalho e agora parece que escolher onde comer se tornou mais difícil que criar um portfólio de investimentos.
Parece complicado porque realmente é. Você está considerando informação demais em para tomar uma decisão simples. Esse é o método normalmente ensinado em escolas de administração e negócios, ainda assim é muito difícil colocá-lo em prática na sua vida pessoal ou nos negócios. Entretanto, há um outro trajeto que você pode seguir e ele demanda que você mantenha apenas uma coisa em mente: uma pergunta.
Escolhendo o restaurante como um ser humano comum
Não somos computadores. Não é fácil, para seres humanos, computar um grande número de variáveis ao mesmo tempo, então se você tentar usar esse tipo de processo na tomada de decisão, você provavelmente se perderá no meio do caminho. Como um ser humano, você pode fazer algo muito mais esperto: perguntar.
No caso mencionado previamente, na escolha de um restaurante para almoçar, há uma questão que você pode se perguntar para decidir em qual comer. Pergunte: qual restaurante tem mais clientes?
Agora, você pode argumentar: “como saberei que vou gostar do restaurante apenas por que há mais pessoas nele?”. O que você está fazendo quando considera apenas essa informação é tomar vantagem das experiências de outras pessoas. O restaurante com mais pessoas vai ser provavelmente aquele onde as pessoas retornam mais, que é mais recomendado. Ele provavelmente será o melhor.
E sobre o prato? Você ainda tem que decidir o que comer. E aqui vai outra questão que deve te ajudar a conseguir o melhor. Pergunte para quem te atende: qual o prato mais pedido?
Algumas pessoas podem dizer que eles sugeriram o prato mais caro, mas isso não faz sentido. A pergunta irá te ajudar a descobrir rapidamente qual prato é a especialidade da casa e o que as pessoas mais gostam. Essa informação é mais útil do que qualquer descrição no menu.
Mas como tudo isso se relaciona aos negócios? Há dois possíveis caminhos para tomada de decisão: você pode considerar todos os detalhes, pesá-los e decidir ou você pode tomar um caminho mais rápido e fácil, normalmente utilizado de maneira inconsciente. Você pode usar as heurísticas.
Nada de processos complexos, apenas heurísticas
Como definida pelo psicólogo Gerd Gigerenzer, em seu artigo Heuristics: Tools for an Uncertain World:
“Heurísticas são ferramentas adaptativas que ignoram informação para fazer decisões rápidas e simples que são acuradas e robustas sob condições de incerteza”_.
A definição é bem completa, com muitos pontos, mas três são chave para a discussão aqui: 1) ignorar informação; 2) tomar decisões rápidas e simples 3) sob condições de incerteza.
Quando estamos em um ambiente cheio de incerteza, é muito comum que se tente coletar toda informação disponível, às vezes até buscar ou gerar novas informações e lentamente avaliar todos os detalhes. Entretanto, Heurísticas propõe exatamente caminho oposto.
Heurísticas tentam dar respostas rápidas e simples em cenários ambíguos ao ignorar uma grande parte dos dados, então o foco se torna os fatores chave que realmente importam. Isso é o que nós fizemos dando a solução para a escolha do restaurante. A mesma lógica se aplica aos negócios, como vamos explorar agora.
Vamos usar como exemplo um problema comum nos negócios: validar a ideia de um novo produto. Sempre que você tem uma proposta de serviço ou negócio inovador, é difícil ter certeza que sua ideia se encaixa - tem fit- com as necessidades do usuário. Novas soluções podem soar boas dentro de nossas cabeças, mas são inúteis, na maioria das vezes, no mundo real. O que nós pensamos como solução de um problema, pode ser uma péssima solução, ou até pior, não ser solução alguma, já que às vezes não há problema para ser resolvido. Em resumo, garantir coerência entre o conceito ideal e a realidade concreta é difícil.
A fim de evitar o desenvolvimento de algo que ninguém vai querer, o negócio faz pesquisas de mercado. Ainda assim, o teste do seu futuro produto é sutil, dado que pessoas na maioria das vezes afirmam um interesse de compra muito maior do que eles irão comprar na realidade. Existe uma diferença entre o que os usuários dizem e o que eles de fato fazem. Então é aqui que entra uma heurística simples: o teste da mãe.
Rob Fitzpatrick, em seu livro O teste da mãe, dá uma solução direta e reta para esse problema. Ele diz que você pode fazer boas perguntas em entrevistas pergunta-se a si mesmo antes: minha mãe responderia corretamente esta pergunta?
A lógica é esta: quando você mostra um produto a alguém, a pessoa pode não querer ferir seus sentimentos te contando a verdade, então ela provavelmente será mais positiva sobre seu produto do que ela gosta dela de verdade. O teste da mãe tenta detectar esse problema de antemão simplesmente ao se perguntar se sua mãe responderia a verdade - não o que você gostaria de ouvir! - no caso dela ser perguntar sobre o produto.
Além disso, quando você mostra pra alguém a solução, a pessoa tende a te falar sobre o que eles gostariam de ter e o que acreditam que seria bom. Ela não faz isso com más intenções, mas ela provavelmente te dirá algo que não é tão útil a você quanto elas pensam que seria. O autor também oferece outra pergunta simples para evitar isso: como você solucionou esse problema da última vez?
Lembre-se que a sua questão não deve focar na sua solução ou produto, já que você não quer concordar com a sua proposta. Você precisa tentar entender o que aconteceu na última vez que ela se deparou com o problema de maneira que você entenda mais sobre como ela já resolve esse problema. Depois você deve tentar descobrir como sua solução ou produto pode se encaixar nesse contexto, sem mostrar seu produto pra ela.
Esse foi um (não tão) pequeno desvio de rota é apenas um exemplo específico de como heurísticas podem ser usadas em contextos de negócio - e mais especificamente de produto. Muitos outros livros de negócios têm perguntas simples, porém poderosas que sintetizam todo seu conteúdo.
Por exemplo, no famoso De zero a um, Peter Thiel diz qual o principal critério que guia suas decisões de investir ou não em uma empresa. Ele diz que a maioria das empresas se tornam menos lucrativas ao longo do tempo por causa da competição. Quando elas começam a lutar pelo preço mais baixo, começam também a ter cada vez menores margens e, portanto, menos lucros. Então ele diz que sua principal pergunta para saber se um negócio é bom é: essa empresa pode se tornar um monopólio?
É importante notar que ele não diz monopólio por alguma regulação especial do governo, o que normalmente ocorre em serviços públicos, mas se o modelo de negócio e o produto podem escalar de uma maneira que se tornaria o único a solucionar um problema, o único a atender os consumidores. Isso significa que essa pergunta simples pode desvendar que companhias têm grande potencial, mesmo se ainda não realizado.
Um outro exemplo está no livro Growth Hacking, escrito por Sean Ellis. Nesse livro, nós temos uma heurística para descobrir o product-market-fit, a primeira etapa em qualquer desenvolvimento de produto. Esse é o momento quando se garante, após o primeiro release, que o produto realmente soluciona uma necessidade do usuário.
A questão é simplesmente: “como você se sentiria se não pudesse mais usar nosso produto?” Com três possíveis respostas: muito desapontado, um pouco desapontado e nada desapontado. Se pelo menos 40% dos usuários respondem “muito desapontado”, você pode dizer que seu produto possui product-market-fit.
Depois de todos esses exemplos teóricos, você ainda pode estar em dúvida. Você agora pensa que heurísticas são divertidas e inteligentes, provavelmente curiosas. Elas são o tipo de buzz-word que você gostaria de usar em alguma apresentação ou workshop, mas elas não parecem estar presentes nas suas tarefas e decisões diárias. Como você pode usar perguntas heurísticas? Elas são como a orientação de uma bússola.
Uma bússola para sua jornada
Esqueça restaurantes, livros, teorias e até mesmo a palavra “heurística”, que te apresentamos no artigo. Pense na lista de tarefas que você tem que realizar no seu trabalho. Você tem muitas coisas a fazer, mas precisa decidir o que fazer primeiro.
Se você é um trabalhador iniciante, júnior, você provavelmente começará a fazer tudo ao mesmo tempo e terminará não fazendo nada direito. Você apenas começará a executar, não se importando com o quê. O famoso “get stuff done”.
Entretanto, pessoas mais experientes, mais senior, trabalham assim: primeiro elas avaliam, mesmo se rapidamente e quase inconscientemente, o que deve ser feito agora e o que deve ser feito depois. Quando elas avaliam, elas provavelmente farão as seguintes questões:
- Quão difícil é fazer essa tarefa?
- Quão importante são os resultados dessa tarefa?
- Quanto tempo a tarefa pode esperar para ser feita?
Estas três questões representam, respectivamente, esforço, impacto e urgência. Três fatores-chave para considerar quando decidimos quais tarefas devem vir primeiro. Elas são comumente conhecidas, então não parecem nada especiais. Mesmo assim, elas são uma bússola para garantir para onde se está indo, mesmo que não para o destino perfeito, pelo menos para um lugar melhor do que se está agora. E por que compará-las a uma bússola?
Questões heurísticas, como uma bússola, não nos dão a exata descrição do lugar para o qual estamos indo, elas evitam que nos movamos para a direção errada. Elas ajudam a garantir que sua jornada está avançando, que está indo em frente um passo de cada vez. De outra forma, sem essa bússola indicando o Norte, você estaria perdido e andando em círculos.
A analogia é especialmente boa quando pensamos em resolver problemas ambíguos, cercados por incerteza. Esses são problemas semi-estruturados, como chama Teresa Torres. Eles caem na categoria dos problemas nos quais não existe resposta certa e errada, problemas nos quais podemos apenas preferir entre piores e as melhores soluções. Quando atacamos esse tipo de dificuldade, o passo mais importante é enquadrar (frame) o problema. E é isso que as perguntas heurísticas fazem: enquadrar o problema é como ter uma bússola que te guia na direção certa da resolução.
Além de agir como uma bússola, elas também são conhecimento compacto. Você ficaria surpreso pela quantidade de líderes e experts que usam perguntas simples como guias na resolução de problemas complexos. As questões são conhecimento adquirido ao longo do tempo, então nós podemos dizer que, em algum sentido, essas questões foram testadas pela experiência desses especialistas. Descobrir essas questões é uma maneira de aprender como eles pensam - e pode ser um grande aprendizado no fim das contas.
Há ainda um importante alerta sobre as heurísticas que não pode ser esquecido. A questão é apenas o começo. Saber a questão que um líder ou especialista faria é apenas o primeiro passo para evitar ir para a direção completamente errada. As possíveis respostas à questão podem não ser óbvias, e é aqui onde a experiência, imaginação e criatividade entram. Se de um lado há as perguntas simples que guiam, de outro há a dificuldade de encontrar as respostas.
Para terminar toda essa jornada, começando pela escolha do restaurante, terminando com perguntas heurísticas, nada mais útil que te dar a pergunta por trás deste artigo. Para aplicar essa forma de pensar, esqueça todas as teorias complicadas e simplesmente se questione: qual a pergunta que deve ser feita?
Obs: Esse tópico cruzou meu caminho enquanto lia Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caso, de Nassim Taleb. Mesmo não sendo citado no artigo, sua visão sobre heurísticas, sendo mais robusta que a teoria, me fizeram colocar o assunto no topo da minha lista de interesses. Se você gostou do artigo, recomendo fortemente que leia seu livro.