Nós usamos uma combinação de visão e audição todos os dias para coletar informações e interagir com o mundo ao nosso redor. No entanto, essa combinação ainda não se reflete nas interfaces de produtos. A maioria delas são extremamente orientadas para a visão.
Por conta da minha experiência musical, eu sempre defendi o uso de áudio em sites. Entendia que o casamento de visão e audição poderia ser uma poderosa ferramenta de interação em interfaces homem-computador.
Rafa Absar e Catherine Guastavino, autores do artigo acadêmico “Usability of non-speech sounds in user interface” (2008), já observavam:
“Se todas as informações forem apresentadas visualmente, isso pode levar a uma sobrecarga visual e também pode fazer com que algumas informações se percam.”
No entanto, o pensamento convencional em um passado não muito recente julgava que os sons deveriam ser empregados apenas em aplicativos de jogos. Essa percepção vinha do equivocado entendimento de que os usuários tinham toda a atenção no desktop. Eles dificilmente se distraíram. Portanto, o áudio seria desnecessário e poderia até mesmo prejudicar a experiência.
Na época, havia também inevitáveis limitações técnicas - falta de compatibilidade dos navegadores com formatos de áudio e conexões lentas (o carregamento de arquivos de som era lento na maioria dos dispositivos).
Felizmente, de lá para cá, as coisas mudaram. Há menos “achismo” no desenvolvimento de interfaces, o campo de UX tornou-se predominante e o número de estudos sobre o manejo de sons cresceu.
A verdade é que os sons estão se tornando parte da personalidade e da emoção de um produto. É difícil imaginar, por exemplo, produtos como Slack e Skype sem os seus sons exclusivos.
A propósito, empresas como Facebook e Apple têm equipes dedicadas ao design de sons em seus produtos.
Will Littlejohn, diretor de design de áudio do Facebook, diz que, ao contrário de uma visão antiga, sons podem afetar drasticamente a forma como as pessoas se sentem em relação a um produto:
“Os designers de som trazem contexto para o mundo e usam o campo sônico para fazer isso. Os sons que você ouve desempenham um grande papel em como interpretar a realidade.”
Eu gosto da ideia de adicionar sons aos produtos digitais. Tenho a sensação de que construir interfaces é cada vez mais como compor sinfonias. Tudo deve estar perfeitamente sincronizado. Por exemplo, quando uma animação visual termina, um som deve ser reproduzido e assim por diante. É como uma orquestra - muitos pequenos detalhes (gráficos, movimentos e áudios) podem funcionar em harmonia para criar uma experiência digital.
Dito isso, é importante saber como integrar o áudio nas interfaces. A equipe do framework “Material UI” do Google criou um excelente guia sobre como os sons podem reforçar funcionalidades específicas. Vale a pena checar.
Basicamente, existem três utilidades para os sons:
1) Som como líder
Esse tipo de áudio é usado para destacar um momento crítico, como uma “celebração” quando o usuário limpa a caixa de entrada do e-mail. Isso pode melhorar a experiência como um todo. Por exemplo, no caso de uma prolongada atividade de upload: em vez de depender apenas de uma barra de progresso para indicar a sua conclusão, um som pode ser utilizado.
De acordo com Littlejohn, isso “permite que as pessoas mudem para outras atividades que prefeririam estar fazendo em vez de observar a barra de progresso. É a mesma mudança cognitiva que você faz quando usa um cronômetro enquanto cozinha o jantar.”
2) Som como decoração
Acho que essa é uma das maneiras mais difíceis de trabalhar com áudio, pois envolve “branding”. Nessa situação, os sons devem ser selecionados com cuidado, pois criam uma voz única para o produto. Eles são usados para destacar momentos expressivos ou lúdicos. Por exemplo: quando se inicia um aplicativo, um som pode ser reproduzido para expressar o tema do produto.
3) Som como feedback
Também chamados de “earcorns”, são os mais comuns. Tem como objetivo reforçar o significado de uma interação e da emoção/personalidade de um produto. Eles também são aplicados para chamar a atenção do usuário. Exemplo: ao selecionar um item em uma lista, um clique sonoro é reproduzido para reforçar a ação e criar um “diálogo” entre o usuário e o aplicativo.
Eu noto que, às vezes, essas três categorias se sobrepõem. Os sons devem ser usados junto com o material eminentemente visual. Você não deve confiar apenas num ou noutro. E sem perder de vista que, afinal, som é naturalmente transitório e gráfico estático.
No entanto, os sons podem se tornar proeminentes em certos contextos (dependendo de fatores ambientais). Por exemplo, quando não podemos olhar para a tela, uma notificação sonora é a única coisa que pode atrair eficazmente a nossa atenção.
Outra coisa importante é a frequência do evento associado ao áudio. É importante levar em conta a periodicidade com que será ouvido para não haver exageros, caso contrário pode se tornar irritante.
O uso de sons em interfaces é um tópico empolgante e ainda considerado novo. Como em outros assuntos, a melhor maneira de aprender é observar atentamente como outros produtos fazem a implementação de sons e, claro, “meter a mão na massa”.
Aqui estão algumas bibliotecas gratuitas úteis que você pode usar para brincar com áudio:
Eu também criei um pequeno exemplo aqui.
Se você souber de alguma implementação de som em produtos digitais e que vale a pena conferir, sinta-se à vontade para enviar uma mensagem para mim no @tdoria.