O que é estratégia
Expanda sua influencia, resolva problemas estratégicos e se prepare para seu nível de liderança.
A definição que eu acredito do que seja estratégia
É estranho começar esse tópico dizendo que é difícil definir o que é estratégia. Parece aquela citação[1] famosa creditada ao Santo Agostinho que diz "Eu sei o que o tempo é, até alguém me perguntar a sua definição e então eu não consigo responder". Estratégia se encaixa nessa mesma categoria.
Acredito que a estratégia de negócio seja o principal direcionador para tudo o que fazemos na empresa. Eu sei, é óbvio, contudo, é muito comum ouvirmos queixas sobre o mau alinhamento ou falta de comunicação da estratégia da empresa. Dessa forma, não há outra maneira de começar esse assunto sem abordarmos e estabelecermos uma base fundamental do seja estratégia.
A estratégia de produto são as escolhas que a área priorizará, com o intuito de trazer resultados para o negócio, contribuindo com o posicionamento pretendido pela empresa, por meio da experiência de uso e do comportamento dos usuários nas nossas plataformas.
Você precisa entender que existe uma linha divisória entre decidir O QUE fazer e decidir COMO fazer. Essa fronteira é muitas vezes difícil de perceber, e se a ultrapassarmos, estaremos removendo do time o seu poder de autonomia para tomar decisões.
Na minha opinião, quando olhamos do ponto de vista do negócio, a estratégia de produto já é parte da resposta do COMO fazer para alcançarmos nosso objetivo de longo prazo.
Exemplos de decisão estratégica de produto:
- Decidir o segmento ou sub-segmento (de mercado ou usuário, por exemplo) que focaremos nesse momento. Esse segmento é uma derivação do segmento de mercado/usuário já definido pela estratégia de negócio;
- Definir se haverá um ou vários apps para atender os usuários de um segmento (B2B, B2C, parceiros, etc);
O óbvio tem que ser dito: a estratégia de produto é uma derivação direta da estratégia de negócio. Mas o que realmente é estratégia de negócio?
O que é estratégia a partir de uma visão de negócio
Nas palestras do Michael Porter[2], ele sempre contextualiza o que é Estratégia na visão dele, e então, a partir dali, ele desdobra sobre suas perspectivas acerca do assunto. É também muito comum que livros sobre esse assunto também comecem com frases mais ou menos assim: "Nesse livro, estratégia é...". Exatamente por que pessoas diferentes explicam o que é estratégia de formas diferentes.
Talvez, por causa dessa diversidade de definições sobre o que é estratégia, as empresas e seus times muitas vezes se perdem, sem uma direção clara de para onde estão caminhando ou sem ao menos justificarem os resultados que estão buscando. Mas não há nada ruim que não possa ficar pior: a empresa pode estar considerando uma definição de estratégia equivocada e mal elaborada. A história do "quando não se sabe para onde quer ir, qualquer lugar serve" não pode ser tolerada nesse caso. Quando a liderança não sabe para onde quer ir, é fim pode ser desastroso.
Todos sabemos que estratégia está atrelado a visão macro de longo prazo. Mas essa é a parte fácil. O difícil é entendermos como isso é criado, desdobrado, evoluído e monitorado. No mundo real raramente temos respostas óbvias, por isso, não quero que a minha palavra valha mais do que a sua, pelo contrário: espero que você absorva o relevante do meu ponto de vista para formar a sua visão crítica sobre esse assunto.
Para termos uma discussão saudável sobre os assuntos que contemplam esse livro e para você entender todas as ideias que trarei, é importante que você saiba qual a definição de estratégia que acredito, mesmo que não seja a mesma definição que você acredita. Dessa forma, consigo ficar tranquilo para seguir com o meu racional durante todo o livro.
Para mim, foi mais fácil entender o que é estratégia a partir do que não é estratégia.
O que NÃO é estratégia
Estratégia é uma daquelas palavras banalizadas. Usa-se para tudo, até mesmo para o que não é estratégia. Confundimos o tempo inteiro iniciativas táticas com direções estratégicas. Contudo, é importante saber quando estamos empregando o termo de forma genérica.
Não é só uma questão de ler como o dicionário define estratégia, ainda mais porque eu não concordo com o que está no dicionário. No Cambridge Dictionary, a definição de estratégia é:
Um plano detalhado para atingir sucesso em situações como guerra, política, negócios, indústria, esporte ou a capacidade de planejar para tais situações. Uma forma de fazer algo ou lidar com algo. - https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/strategy
E eu discordo um pouco dessa definição, porque se estratégia é um plano, estamos planejando algo que já foi definido anteriormente. Faz sentido?
Consigo destacar aqui três grandes pontos nos quais confundimos com estratégia:
- Planejamento;
- Missão e Visão;
- Objetivos de longo prazo;
Provavelmente você deve ter outras sugestões para acrescentar nessa lista, mas julgo que esses três pontos são os mais comuns.
Não é planejamento
É muito comum que as pessoas associem o "precisamos pensar de forma estratégia" com a falta de planejamento. A diferença entre planejamento e estratégia é bastante sutil, mas estratégia vem antes do planejamento. Quando temos uma estratégia definida, pensamos no plano para executá-la.
É no planejamento e não na estratégia que definimos a ordem das ações. Existe uma pegadinha aqui: podemos usar a palavra planejamento para um momento onde iremos pensar sobre a estratégia. Até caberia o termo planejamento estratégico, como o momento de elucubrar e discutir sobre as decisões estratégicas, mas definitivamente não é aqui que definimos a estratégia.
O termo de "planejamento" é definido no Cambridge Dictionary como "O ato de decidir como fazer algo"[3].
Nesse caso, como estamos falando sobre construção de produtos digitais, podemos definir que planejamento é simplesmente o ato de colocar os entregáveis em uma ordem coerente, conforme as limitações de orçamento, escopo, prazo e resultados esperados.
Dessa forma, estratégia trata-se primeiro da identificação da direção e depois vem o planejamento sobre como percorreremos essa direção, garantindo transparência sobre o percurso que desbravaremos.
Por isso, é tão importante que você pense e decida o que fazer antes de planejar. E que pensar seja sua prioridade. Estrategistas que não pensam são apenas planejadores.
Não é missão, visão ou propósito
A missão e a visão da empresa são partes importantes da estratégia. Elas ajudam a materializar e principalmente a delimitar o caminho que a empresa escolheu percorrer. Mas a diferença entre estratégia e missão da empresa, é que a estratégia é concreta e específica. Ela inclui escolhas, inclui passos, bem claros, que serão seguidos pela empresa.
A missão e a visão da empresa tem muito mais a ver em como a empresa quer ser percebida pelos seus funcionários, pelo mercado e pela sociedade. Faz parte da estratégia ter missões, visões e propósitos coerentes com a sua estratégia, porque a proposta da empresa potencializa os resultados.
Um propósito bem escolhido (eu tenho visto as empresas fazerem uma mudança de missão/visão para propósito, eu gosto da ideia e fica mais simples para as pessoas se reconhecerem e integrarem seu propósito pessoal com o da empresa) traz pessoas motivadas e inerentemente conectadas com a empresa e com o motivo dessa empresa existir.
A Patagônia tem um propósito[4] muito claro de ser sustentável em todos os pontos de sua produção. Mas não é só isso, ela quer causar impacto social, econômico e principalmente ambiental enquanto trabalha para ser uma empresa lucrativa. Em 2020 a Patagonia teve US$210MM em vendas brutas.
E ainda durante a pandemia, Yvon Chouinard[5], founder da Patagonia, decidiu[6] continuar pagando todos os funcionários mesmo com todas as suas lojas fechadas.
A Patagonia decidiu seguir com a sua estratégia de fabricação e venda de roupas sendo sustentável e causando impacto social e sobretudo ambiental. A estratégia de crescimento da Patagonia é uma coisa. O como ela fará isso de forma sustentável, é outra. Quem disse que ela não pode fazer marketing[7] inteligente[8] para vender mais roupa?
Não são objetivos
É muito reconfortante quando dizemos onde a empresa deverá estar dali 5 anos. Colocamos um objetivo gigante, difícil de ser atingido, que mobiliza toda a empresa e que provavelmente vai nos destacar o mercado. Todos procuram se organizar para comunicar essa decisão além de decidir os processos, tarefas, estruturas de time e tudo o que precisamos fazer para executar e alcançar esses objetivos definidos.
Quantas vezes nós ouvimos que a estratégia da empresa é:
- Ser o número 1 ou 2 do mercado;
- Alcançar XX Bilhões de faturamento;
- Dominar o mercado XYZ;
- Ser global;
Na verdade, esses pontos são objetivos. São aspirações. É o que queremos obter. São simplesmente ações.
Estratégia é o como faremos para produzir diferenciações dos concorrentes para chegar a esses objetivos. Quais as decisões que faremos para que isso aconteça. Estratégia tem muito mais a ver com uma visão holística, de como a empresa se posiciona no mercado para obter vantagens sustentáveis.
Aqui é interessante: geralmente atrelamos o COMO com decisões táticas. Iremos falar mais sobre isso no decorrer do livro, mas é importante saber que o COMO e o O QUE existem em todos os níveis da estratégia. Então, tente não atrelar o COMO sendo tático e o O QUE sendo estratégia. Isso não faz sentido.
Um exemplo: em uma empresa de capital aberto subir o preço das ações é o resultado. O objetivo é ter alta performance econômica. Estratégia é o conjunto de decisões que criarão essa alta performance, não em um ou dois anos, mas de uma maneira sustentável. E só decidimos termos performance econômica sustentável, porque isso cria valor para a empresa. E se temos uma performance sustentável com entrega contínua de valor, o preço das ações aumentam de forma saudável por causa da confiança criada nos acionistas por causa desses objetivos atingidos.
Esses objetivos não são independentes da estratégia, na verdade, esses objetivos estão embutidos na estratégia.
Para ser claro: estratégia não são os objetivos em si. Mas a junção desses objetivos são o resultado das decisões estratégicas que tomamos para posicionar a empresa no mercado. Um conjunto de decisões nos faz chegar nesses objetivos, que podem servir para monitorar o sucesso da estratégia.
As abordagens que definem estratégia
É muito simplista dizer que estratégia é visão de longo prazo da empresa. Alfred Chandler[9], diz que estratégia é a determinação de goals para a alocação de recursos. O Max Mckeown, diz nessa palestra[10] que estratégia é sair do ponto A para o ponto B. Ambas as definições são simplistas demais para mim.
Você pode encontrar por aí várias abordagens que tentam definir o que é estratégia, sempre envolvendo visão macro de longo prazo da empresa. Mas, na minha opinião, existe apenas uma visão completa o suficiente, que é a do Michael Porter. Boa parte do meu pensamento sobre como estratégia funciona, vem do Porter e dos conteúdos de pessoas que conseguiram evoluir seu pensamento por meio da experiência aplicando os princípios que o Porter explorou.
A visão de Michael Porter
Adotei a visão do Porter como a minha visão padrão do que é estratégia não porque ele é o guru sobre esse assunto, mas por que é a visão mais completa e abrangente que eu conheço. Até mesmo as duas próximas abordagens de Whittington e de Lafley, Roger Martin e Jeniffer Riel que comentarei logo em seguida são derivações, com poucas modificações da visão original do Porter.
É importante notar que Porter não define estratégia em sendo apenas uma coisa. Visões simplistas como sair do Ponto A para o B são simplificações muito fracas para conseguir definir o que realmente é estratégia e o quanto ela é um assunto abrangente.
De acordo com Porter[11], a definição de estratégia seria um composto de três pontos principais:
- Escolhas: Um conjunto de escolhas de longo prazo;
- Diferenciação: Essas escolhas fazem o negócio se diferenciar dos concorrentes;
- Competição: Como se articula as vantagens competitivas para alcançar um posicionamento único e sustentável;
Esses três pontos são sinérgicos e devem trabalhar em conjunto e são essenciais porque podem ser desdobrados em várias outras disciplinas e assuntos dentro da empresas. É mais ou menos isso que o Lafley, Roger e Jeniffer tentam simplificar no framework que falarei mais a frente. Mas algo mágico acontece quando a diretoria, líderes e times entendem que estratégia é um conjunto de escolhas que trazem resultado de longo prazo, sendo que essas escolhas diferenciam a empresa da concorrência, facilitando a construção de vantagens competitivas com o objetivo final de dar a empresa um posicionamento único no mercado.
Muito mais fácil falar do que fazer. Eu sei. Mas tentaremos detalhar um pouco mais o que o Porter que dizer com estratégia ser escolhas, diferenciação e competição.
Escolhas: Pepsi e Mobly
Acredito que mais importante do que escolheremos, é o que não escolheremos. Quando escolhemos um caminho, invariavelmente estamos deixando de escolher outro caminho. Quando decidimos priorizar algo, estamos automaticamente despriorizando outra coisa.
Quando se trata de escolhas estratégicas, basicamente estamos falando sobre trade-offs que a empresa enfrentará para criar uma consciência única entre as pessoas. Escopo de atuação, segmento ou o grupo de segmentos de mercados, ou setores industriais, são questões de escolhas com opções únicas, onde escolhendo uma opção, excluem-se as outras opções automaticamente, mesmo que temporariamente.
Pepsi
Foi assim com a Pepsi lá em 1997, onde usa performance financeira não estava muito bem. Ela teve um aumento marginal apenas de 4%, saindo de USD$30.4 bilhões em 1995 para USD$31.6 em 1996. Os analistas apontaram a causa dessa estagnação como falta de atenção ao core do negócio, observando uma série de pontos importantes, que comparavam o posicionamento da Pepsi com a Coca-cola. Por exemplo, em 1998, a Coca-Cola gerava algo em torno de 63% de vendas em mercados internacionais (fora dos EUA), a Pepsi apenas 31%.
Logo, no final da década de 1990 e no começo dos anos 2000, a Pepsi decidiu executar uma série de iniciativas para reestruturar a empresa. A primeira decisão foi criar uma empresa independente responsável pelo engarrafamento dos seus produtos. Isso aconteceu em Setembro de 1998. Logo em Janeiro de 1999 ela vendeu 65% da sua parte e levantou pelo menos USD$2 bilhões. Isso ajudou ter resultados nas operações, saindo de USD$2.5 bilhões em 1997 para USD$3.2 bilhões no ano fiscal de 2000[12].
Uma outra iniciativa mais ousada foi separar e vender a sua divisão de restaurantes, que era responsável pela Pizza Hut, Taco Bell e KFC[13]. O que o Roger Enrico (CEO da Pepsi em 1996) diz é que na época que esse movimento aconteceu, fazia sentido para a Pepsi adquirir esses restaurantes e se tornar uma potência nesse mercado. O Taco Bell e a Pizza Hut eram ainda pequenos e com algum investimento eles cresceram rápido e se tornaram relevantes. Contudo, com o tempo, a dinâmica desse mercado se desalinhou com o negócio core da Pepsi que era bebidas e snacks, e isso estava atrapalhando muito a competição com a Coca-Cola.
Para você ter uma ideia, no ano fiscal de 1996, a divisão de bebidas da Pepsi reportou lucro operacional de apenas USD$582 MM (dentro de USD$10.5 bilhões de receita), que comparado com a Coca-cola que reportou um lucro de USD$ 3.9 bilhões (dentro de USD$18.5 bilhões de receita).
Embora a decisão de diversificar o negócio seja uma boa ideia, a forma sobre como isso é operacionalizado e executado pode atrapalhar muito o core da empresa. É totalmente necessário explorar oportunidades e mercados nas camadas adjacentes e transformacionais ao nosso core, mas essas oportunidades precisam ter um nível grande de sinergia com o negócio core.
A atuação em oportunidades afastadas do core da empresa deve ser progressiva até que essa oportunidade se torne um negócio e seja finalmente absorvida, de forma totalmente integrada e sinérgica com o que já existia anteriormente.
A Pepsi deixa bem claro que um dos objetivos dela em 2022 é estender as suas marcas e capacidades de bebidas e comidas de conveniência. Comidas de conveniência são aquelas comidas rápidas, que você realiza sem trabalho nenhum quando tá com pressa. Essa é a forma da Pepsi de expandir, basicamente, seu braço de snacks e ter um pé, mesmo que pequeno, no mercado de alimentos.
Se para Pepsi a saída para resolver seus problemas financeiros foram delimitar mais a visão estratégica, se focando mais no seu core, para outras empresas a saída pode ser exatamente o oposto: escolher diluir seu foco em vários tipos de negócios, procurando atuações mais abrangentes em mercados e setores industriais diferentes. Algumas empresas como Movile, P&G, Mitsubishi e Rolls-Royce, decidiram por esse caminho.
Perceba que todas as empresas citadas tem diversificações de negócio baseadas no seu core business e assim como a Pepsi, todos os negócios seguem o escopo geral da empresa.
Rolls-Royce, por exemplo, coloca a manutenção e defesa do seu core Business como o primeiro ponto da sua visão estratégica[14].
Procuramos novos mercados e produtos que trazem novas tecnologias e capacidades, gerando escala e sinergias. - Rolls-Royce - Build balanced portfolio - https://www.rolls-royce.com/about/our-strategy.aspx
Mobly
A IKEA e a Southwest Airlines são outros bons exemplos de empresas tradicionais que fizeram escolhas profundas no seu modelo de negócio. As duas empresas, em mercados totalmente diferentes, tiveram escolhas parecidas em relação a como operar seus negócios otimizando eficiência operacional de modo a encontrar um preço médio acessível, mantendo a qualidade dos seus produtos e serviços. No Brasil, a Mobly é uma espécie de IKEA, mas a ideia de fundar a Mobly foi inspirada na Wayfair.
A Wayfair tem uma linha de negócio muito similar da IKEA, só que ela nasceu online e cresceu muito por causa disso. Já IKEA é uma gigante que tinha seu negócio fundamentado em lojas físicas. Contudo, ela já é bastante digital, inclusive com iniciativas digitais incríveis sobre como a tecnologia pode mudar nossa forma de morar. Eles mostram esses experimentos no site Everyday Experiments[15].
A Mobly nasceu como e-commerce de móveis e decoração. 10% é acessório, o resto são móveis. No final de 2018 eles expandiram para ser omnichannel, abrindo lojas físicas. O core da Mobly é a venda e a operação logística de móveis. A estratégia deles se divide em 4 pontos:
- Ser omnichannel, porque isso traz uma série de benefícios de marca, logísticos e experiência de compra;
- Ter variação de produtos. A Mobly tem mais de 250 mil itens disponíveis. Mais de 40% das vendas, até setembro de 2021, era da marca própria da Mobly. Tendo diferencial de custo quanto de preço para consumidor final, com um design acessível;
- Controle logístico. Todos os sistemas que a Mobly usa para operar sua logística é própria. Eles têm um braço chamado MoblyLog, que apoia na estratégia de controlar a cadeia de valor nesse braço logístico, com detalhe para o Crossdocking, que é todo esse sistema de coletar o móvel direto no fabricante e entregar para o cliente, sem a necessidade de ter estoques enormes;
- Ter tecnologia proprietária, construindo seus próprios produtos, além de investir pesado em data science, tanto pra fazer precificação, quanto para melhorar a inteligência de marketing e logística para aumentar eficiência;
A Mobly enxerga que o mercado de venda online de móveis ainda está na casa dos 10% de penetração. O Victor Noda, fundador da Mobly, diz[16] que o mercado móveis é muito fragmentado por pequenas lojas, que tem opções limitadas e não tem tanta flexibilidade de preço ou inteligência digital. Para você ter uma ideia, a IKEA, em 2021, faturou EUR€ 41.9 bilhões[17]. Em 2022 é esperado que o faturamento das vendas via e-commerce no mercado de móveis seja de USD$394 bilhões. No Brasil, em 2020, a receita era de USD$51.091 milhões (comparado com USD$52,745 em 2019)[18]
A escolha da Mobly é de ser baixo custo (gestão de estoque praticamente inexistente), com custo operacional baixo e sob controle (por isso ter tecnologia própria). Ela não quer ser uma Tok&Stock ou uma Etna, com designs rebuscados e preço superior. Ela quer atingir larga escala, para um segmento de pessoas que quer ter bom design, com preço justo.
Eficiência operacional é o como, não a estratégia em si. Estratégia é seu posicionamento único no mercado. A Mobly tem um posicionamento único no mercado.
Posicionamento - uma vez sendo o coração da estratégia - é rejeitada como muito estática para a dinâmica atual dos mercados e das mudanças da tecnologia. --- Porter, Michel - Operational Effectiveness is Not Strategy
As escolhas têm a ver com perguntas que queremos responder a fim de encontrar o caminho tático. Algumas das perguntas mais simples e populares são:
- Qual é a aspiração/objetivo da empresa? Onde queremos estar daqui 1, 5 e 10 anos? Que tipo de empresa queremos ser?
- Qual o mercado que estamos atuando agora?
- Qual o tamanho desse mercado?
- Quais as restrições desse mercado?
- Quais os efeitos e impactos socioeconômicos no mercado?
- Quais os players que já estão atuando?
- Esse mercado vai ou pode mudar por alguma tendência tecnológica?
- Esse mercado pode ser modificado permanentemente por conta de uma mudança política ou regulatória?
- Os players desse mercado estão aqui a quanto tempo? Eles sobreviveram a algum tipo de crise?
Veja que são perguntas que não entram na execução em si. Nesse momento quero saber quais as restrições desse mercado, como: restrição tributária, possíveis regulações de atuação, certificações/aval de reguladoras ou governamental, restrições estruturais e ambientais, por exemplo. Você ainda não está pensando em como o time tributário será estruturado ou como ele trabalhará, você só quer saber se existe alguma restrição específica.
Não existe uma resposta errada nesse caso, isso dependerá bastante de como a empresa consegue se estruturar para lidar com os dilemas de querer uma estratégia focada ou uma estratégia mais genérica e abrangente. Novamente, tudo sobre fazer escolhas.
Diferenciação: Alibaba
Obviamente é possível fazer a mesma coisa que seu concorrente, mas melhor. Isso se chama excelência operacional, mas não é exatamente uma diferenciação. A Mobly tem excelência operacional, mas com o tempo as suas concorrentes conseguem melhorar suas operações o suficiente para conseguir equiparar sua excelência operacional. Não é performance operacional que distingue uma empresa dos concorrentes, pelo menos não em visão de longo prazo.
China e Japão
Essa diferença também não pode envolver simplesmente custo e preço. Essas duas alavancas, embora sejam importantes para o negócio, não são os fundamentos principais da estratégia de qualquer empresa. Essas alavancas também são replicadas pelos concorrentes.
A maioria dos brinquedos que eu ganhava quando eu era criança, lá pelos anos 90, era fabricada no Japão. Naquele tempo, as empresas japonesas investiam em eficiência operacional, numa estratégia de copiar produtos populares e vende-los com preço baixo e qualidade bastante aceitável.
Mas com o avanço da tecnologia e com a criação de novos métodos e processos, essa eficiência operacional foi alcançada pelos concorrentes ao redor do mundo. Empresas de um mesmo setor tendem a usar tecnologias e processos similares. Métodos e boas práticas são disseminados, seja por movimento de funcionários entre as empresas, seja por consultorias, cursos ou outros meios. Mais cedo ou mais tarde as empresas alcançam uma eficiência operacional relevante, seja por meios orgânicos ou por investimento ativo.
O Porter diz, em um artigo de novembro 1996[19], que empresas japonesas raramente tinham estratégias que diferenciavam-nas das outras empresas. Eles investiam muito em escala, produtividade para conquistar baixo custo e preço acessível. Mas logo esse gap entre as empresas japonesas e o resto do mundo começou a diminuir e aí, o que era uma exclusividade, se tornou popular.
Hoje, a China está jogando em um campo parecido. Digo parecido, pois a China institucionalizou seu serviço. Eles são a "fábrica do mundo"[20]. Eles não fabricam apenas os próprios produtos, mas os produtos do mundo inteiro. Eles evoluíram a estratégia do Japão. A minha visão é que a China, como um país, é um negócio.
Para mim, o que a China está fazendo diferente, é que ela se desenhou como um serviço. Desde seus processos e métodos até a sua força de trabalho. Países e empresas compram disciplina, baixo custo e tecnologia da China. Não é o mundo competindo com a China, pelo contrário: a China ofereceu para o mundo uma proposta irrecusável e todo mundo aceitou. Isso está transformando a China na maior potência mundial. Se você gosta de ler sobre teoria da conspiração, o livro The Hundred-Year Marathon[21], fala um pouco do plano já estabelecido da China de ultrapassar os EUA como a maior potência mundial.
A ambição da China de se tornar a potência dominante mundial sempre esteve presente, praticamente gravada no DNA cultural do país e escondida, como ele diz, à vista de todos. -- Tradução livre da citação de French, W. Howard, - https://www.wsj.com/articles/book-review-the-hundred-year-marathon-by-michael-pillsbury-1424996150
Eu acho que a China vai empatar ou liderar como potência mundial. Eles transformaram o país em um negócio. Tirando todas as coisas estranhas[22] que acontecem na China conectadas com o seu controle político, eles com certeza estão obtendo sucesso seja lá qual plano eles estejam executando.
Alibaba
Empresas chinesas hoje, ao contrário das japonesas citadas pelo Porter, conseguem claramente se destacar da concorrência, sobretudo as empresas de tecnologia. A diferenciação que as empresas chinesas trazem é que seus serviços funcionam como um ecossistema, diferente do modelo Japonês, onde o produto era o fim. Na China, o produto, principalmente os produtos digitais, são o meio.
O Alibaba é um ótimo exemplo sobre como uma varejista chinesa consegue se destacar no mercado mundial, não apenas no mercado local. Eles trouxeram baixo custo e alto sortimento de produtos para o mundo por meio das suas plataformas digitais.
O modelo de diferenciação do Alibaba se divide em basicamente três pontos:
- Baixo custo;
- Promoções recorrentes;
- Facilitação por meio da tecnologia;
Eles já têm escala explorando o seu próprio país, que é a China, um dos maiores mercados de varejo online que existe. O desafio é sustentar a escala mundial, aumentando a acessibilidade de compra de produtos chineses, com preços altamente competitivos, para os consumidores globais, garantindo entrega eficiente. Tendo já provado que o modelo do Alibaba funciona, eles facilmente conectam outros serviços à este core, criando mais defesas competitivas, como o AliPay, Taobao e o AliExpress.
Mas como eu disse anteriormente, o que faz o Alibaba ser diferente é o seu ecossistema. Ele não é só um e-commerce, ele é um conglomerado de empresas que usam a tecnologia e dados para fazerem negócios.
At Alibaba, we realized we had the ingredient for creating a high-functioning, scalable, and profitable SME lending business: the huge amount of transaction data generated by the many small businesses using our platform. --- Zeng, Ming, chairman do Conselho Acadêmico do Grupo Alibaba - https://hbr.org/2018/09/alibaba-and-the-future-of-business
Diferenciação não vem de uma ou duas coisas, mas do conjunto da obra.
O que acontece quando não há diferenciação entre produtos ou serviços prestados por empresas de um mesmo setor? Achatamento de margem e competição de preços. Esses são efeitos claros e latentes quando empresas não fazem escolhas que não as levam para uma diferenciação clara e percebida pelo cliente.
A empresa só consegue ter vantagem perante seus adversários, se conseguir preservar no longo prazo o que a faz diferente do resto. E um dos talentos mais importantes é conseguir identificar quando essa diferenciação está prestes a se tornar comódite[23], ela transforma ou cria novamente uma nova diferenciação duradoura.
Competição: Itaú e XP
Qual a ideia fundamental na competição comercial?
A grande verdade é que competição no dia a dia, como no esporte, difere do mundo dos negócios ou de uma competição teórica. Na competição urgente e imediata dos esportes existem improvisos e urgências. Há falta de previsibilidade das respostas. As ações precisam ser totalmente imediatas em uma dinâmica de ação e reação. A competição entre as empresas é algo um pouco menos frenético, embora seja bastante nervoso.
O Peter Thiel, no seu livro De Zero a Um[24], fala que concorrência no mundo dos negócios é "significa ninguém lucrando, nenhuma diferenciação significativa e uma luta pela sobrevivência". E essa luta pela sobrevivência acontece por que não é só a sua empresa que tem estratégia, mas seus concorrentes também. Isso torna o jogo dinâmico, onde o jogador que for mais inteligente e se adaptar melhor a resposta reativa do concorrente, ganha.
Itaú e XP
Em Maio de 2017, o Itaú comprou 49% da XP. A XP começou um movimento de "desbancarização" bastante forte desde a sua fundação (2001), aliando educação com plataforma de investimento, num movimento de tentar migrar investidores que tinham seus principais investimentos em grandes bancos, em corretoras. Esse movimento deu certo. Em 2016 a corretora já faturava mais de R$ 1.3 Bilhões. O Itaú, adquirindo 49% da XP (com opção de compra do outro pedaço alguns anos depois), assegurava dessa forma que o dinheiro não saísse de casa.
Até que um belo dia, o Itaú veiculou um comercial de TV[25], onde o principal recado era o problema do conflito de interesse que há nas corretoras[26], principalmente a XP que tem seu modelo de negócio baseado em consultores que indicam investimentos para seus clientes, mas que possivelmente só indicavam investimentos que eles ganham mais comissão. Uma provocação dessa não era esperada pela XP, obviamente. Ninguém espera que um banco compre metade do seu negócio e depois declare guerra publicamente em horário nobre. Foi aí que a XP também respondeu ao ataque nas suas redes sociais e o Guilherme Benchimol escreveu uma carta[27].
Final da história: Itaú vende sua parte da XP[28]. E a XP estreiou na Nasdaq[29]. Teoricamente ela vale US$ 15,14 bilhões[30].
O Itaú, do meu ponto de vista, é um dos únicos bancões que está claramente tentando se adequar à nova realidade, mesmo que eles estejam tropeçando bastante. Sempre que uma XP e uma NuBank ganham destaque, elas são comparadas ao Itaú, que é, até então, o maior banco da América Latina. Só a sua marca vale mais de R$ 40,5 bilhões[31]. O seu valor de mercado é de US$ 39 bilhões[32].
Mas em nenhum momento a XP se retraiu por que o Itaú era o seu maior acionista. Nessa competição declarada e agressiva, tanto XP, quanto Itaú se posicionaram. Mas nessa competição, se coloque no lugar dos jogadores e tente responder:
- Itaú saiu vencedor ou perdedor? E a XP?
- A XP esperava um ataque desse do Itaú?
- A visão de longo prazo das duas empresas estavam conectadas?
Estratégia é pautada por visão externa. Ou seja, é necessário medir, acompanhar e monitorar fatores externos para construir sua estratégia, e aí sim, trazer uma visão interna adequada para cumprir com a estratégia. As duas devem se conversar.
O Porter determinava que estratégia competitiva era quando a empresa conseguia estabelecer uma posição lucrativa e sustentável, contra as forças que determinam a competição da indústria que ela atua. Para Porter existem 5 forças principais no mercado:
- Rivalidade dos concorrentes;
- Produtos e Serviços substitutos;
- Poder de barganha dos fornecedores;
- Ameaça de novos entrantes;
- Poder de barganha dos clientes;
O framework das 5 Forças de Porter[33] é bastante popular e você já deve ter usado em algum momento na sua carreira. Para mim, embora as cinco forças de porter sejam pilares fundamentais, o conceito precisa ser renovado por conta das mudanças do mundo moderno. Acho que os pontos abaixo complementam muito bem a lista das cinco forças definidas por Porter:
- Economia de Escala;
- Network Effect;
- Pensamento de Plataforma/Marketplace;
- Entendimento de risco de disrupção;
- Decisões baseadas em dados;
Esses cinco pontos são características comuns em empresas com seu modelo de negócio baseado em tecnologia, que tem rápida escala como principal motivador, além de conceitos como monopólio que o Peter Thiel fala muito bem no livro De Zero a Um[34].
A abordagem de Lafley, Roger Martin e Jeniffer Riel
A. G. Lafley liderou a área de bens de consumo da P&G. Roger Martin foi reitor de uma universidade de gestão e negócios, além de ser consultor e conselheiro sobre estratégia em diversas empresas. E Jennifer Riel só é diretoria global de estratégia na IDEO. Veja bem, estamos falando de três pessoas que respiram estratégia diariamente. A. G. Lafley e Roger Martin escreveram juntos um dos melhores livros sobre estratégia que já li, chamado Jogar para Vencer[35]. Nesse livro, os dois contam como foi construir, comunicar, mobilizar e executar a mudança do plano estratégico da P&G entre 2000 e 2009. Nesse processo de mudança, Roger Marting e A. G. Lafley, CEO da P&G na época, chamaram Peter Drucker e Michael Porter para ajudá-los a orquestrar toda a transformação para a P&G realizar uma aplicação profunda do novo conceito estratégico.
A ambição da P&G era criar diversos produtos e serviços que pudessem melhorar a vida dos seus consumidores. Essa aspiração liderou todas as decisões da empresa. Desde criação de novos serviços e produtos, até contratação de pessoas ou M&As de outras empresas.
Eles conseguiram resumir em cinco questões importantes para sintetizar e consolidar a estratégia de uma empresa. Essas cinco questões devem estar altamente conectadas com a aspiração da empresa, ou seja, seu propósito mais essencial. Essas cinco perguntas são chamadas de Cascata de Escolhas Integradas e é mostrada no livro A PLAYBOOK FOR STRATEGY[36], escrito e organizado A.G. Lafley, Roger Martin e Jennifer Riel.
Eu gosto bastante desse framework, pois ele é um refinamento sinérgico com a ideia de estratégia competitiva do Michael Porter. Todas as questões envolvem como a empresa irá ganhar na sua indústria de atuação, construindo diferenciação sustentável de modo a alcançar posicionamento único no mercado.
As cinco questões são:
- Qual é a ambição/aspiração vencedora? Qual a posição no mercado que e empresa quer alcançar? Como ela quer ser percebida pelo mercado e pela sociedade?
- Onde jogar? Qual campo a empresa irá jogar? Quais segmentos, pessoas, indústrias ela irá impactar para alcançar sua ambição? Quais as regras do jogo nesse campo? Quais as regulamentações e limitações?
- Como ganhar? Quais os passos e o planejamento que a empresa irá assumir para ganhar esse jogo? O que ela irá ou não irá fazer? Quais os trade-offs?
- Temos todas as capacidades necessárias disponíveis? Temos todas as pessoas e recursos financeiros para executar essa estratégia? Temos toda a tecnologia e o conhecimento necessário para executar o nosso plano?
- Quais sistemas de gerenciamento e processos usaremos para medir? Como saberemos que ganhamos? Como mediremos o sucesso? Como mediremos nossa progressão? Quais os processos e métodos os times irão usar para executar o plano? Como iremos operacionalizar nossa estratégia?
A. G. Lafley e Roger Martin dizem no livro Jogar para Vencer[37], que na P&G, decidir onde jogar começava com todo mundo conhecendo o consumidor. Embora o mesmo consumidor possa comprar vários produtos diferentes da P&G, eles usam esses produtos para solucionar problemas diferentes. A lógica mental ao compra um detergente ou uma maquiagem são bastante diferentes. As pessoas raciocinam de forma diferente para adquirir produtos diferentes. Então eles procuravam conhecer melhor quem o consumidor era, o que ele queria e por que ele precisava daquilo.
Para vencer com produtos para mães, a P&G investe pesadamente em compreendê-las verdadeiramente - por meio de observação, visitas domiciliares, investimento significativo para descobrir necessidades não satisfeitas e não expressas. --- Lafley, A.G.; L. Martin, Roger. Jogar para vencer (p. 72). Alta Books. Kindle Edition.
Eles são bem objetivos quando dizem que empresas de todos os tamanhos, sejam startups ou multinacionais, enfrentam muitos desafios para decidir as escolhas de onde jogar. Tudo dependerá da quantidade de pessoas, dinheiro, tempo, momento e tecnologia. A capacidade de escala que uma empresa multinacional pode servir de vantagem, mas a velocidade de testar e avançar para a próxima hipótese faz mais sentido em empresas menores.
Isso é bom, porque a estratégia de atender todo mundo em todos os lugares, tentando entregar todas as soluções para todos os segmentos é uma escolha perdedora.
Outro ponto a se pensar é o cenário competitivo desse campo que a empresa decidiu jogar. Você quer competir com alguém se tiver alto grau de certeza de que pode ganhar naquele campo. Ninguém quer entrar em uma competição sabendo que é um jogo perdido. Analisar os competidores antes de entrar em um determinado segmento ou indústria é essencial para amplificar as chances de ganhar naquele jogo. Isso parece óbvio, mas não é. Às vezes, o segmento pode ser muito competitivo, mas você não entrará diretamente no campo principal para jogar. Você pode entrar num mercado adjacente para depois migrar para o mercado core, onde os competidores mais fortes estão. Sabendo quais os competidores do campo, você consegue saber qual o tamanho você quer ser para não chamar a atenção da competição. Você pode querer ficar pequeno tempo suficiente para ficar fora do radar.
Eu usei esse framework e devo dizer que ele funciona bastante bem, mas obviamente não é a bala de prata. Respondendo as perguntas que eles propõem, é possível ter uma visão macro muito boa do que seria a estratégia da empresa, mas ainda faltam tantas respostas intermediárias sobre como o modelo de negócio funcionaria, que é necessário usar outros tipos de frameworks para enriquecer o contexto e aperfeiçoar o desdobramento. Mesmo assim, esse framework é feito para ter uma visão essencial e relevante da estratégia e serve para a estimular discussões em diversos níveis da empresa, é pode servir como um discurso de bolso para explicar em onboardings ou até relembrar os times sobre os fundamentos essenciais.
Recomendo que você conduza esse exercício: tente responder essas cinco perguntas de uma maneira sucinta sobre a empresa que você trabalha hoje. Tente não pensar apenas com o viés da área que você atua, mas considere a empresa na totalidade. Identifique como as respostas se conectam com as atuações e iniciativas do produto que você atua.
Muitos líderes (e PMs) de produto tem problemas em fazer esse exercício, porque geralmente eles ou a empresa, estão focados apenas no curto prazo, criando um viés emergente e urgente, quase que trabalhando no improviso. Mas falaremos disso mais pra frente no livro.
As quatro abordagens de Whittington
Richard Whittington[38] defende que estratégia é pensar melhor e de maneira diferente (seja do concorrente ou de você mesmo no passado). Criar um racional de pensamento estratégico na empresa é uma tarefa difícil, porque envolve agregar pensamentos e contextos de todas as áreas, identificando sinergias e conexões entre áreas. Também é comum pensarmos que estratégia é uma visão de impacto externo, contudo a visão interna também é necessária para forjarmos unidade e cooperação de impactos.
E é aí que Whittington apresenta quatro escolas ou abordagens genéricas[39] de pensamento sobre estratégia:
- Clássica: que busca maximizar o lucro com processos e planejamentos focados no longo prazo, tentando usar os recursos de forma eficiente, tendo um pensamento mais analítico e formal. Muito comum lá pelos anos 1960, tendo como referências o Ansoff e Porter;
- Evolucionária: se baseia na ideia de que o ambiente na qual a empresa atua está sempre mudando e por isso a empresa precisa se adaptar, para sobreviver nesse ambiente de mudança. Investir em apenas uma ideia ou aposta não é factível nessa escola de pensamento, a ideia é manter as opções abertas para exatamente facilitar a resposta às mudanças, basicamente as três chaves aqui são: baixo custo, enquanto aumenta eficiência e manter a flexibilidade para novas formas de atuação;
- Processual: essa abordagem se foca muito em pensamentos mais emergentes, descrevendo a estratégia como um processo de adaptação e aprendizado. Por isso, nesse racional, não há tanto valor em uma visão de longo prazo, e há muito mais ênfase em um desenvolvimento interno do que externo. Por isso, eles "descobrem" a estratégia muito mais atuando, que é a forma de aprender e se adaptar;
- Sistemática: essa abordagem provavelmente é a que você conhece, pois ela acredita que estratégia é desenvolvida em sistemas complexos, que são culturalmente definidas. O processo para executar a estratégia e os resultados alcançados dependem muito do ambiente social que a empresa está atuando, onde a cultura não emerge apenas da empresa, mas da relação social que ela constrói;
Gosto bastante da visão do Whittington por que ela traz uma categorização mais moderna dos pensamentos estratégicos, nos ajudando a materializar até mesmo a personalidade das empresas por meio das categorizões. E dependendo da definição de estratégia que sua empresa se encaixa, seja a sistemática ou mais evolucionária, as abordagens de execução, planejamento, goals e estruturação podem ser diferentes.
No livro Exploring Strategy[40], Gerry Johnson diz que strategy is the long-term direction of an organisation (estratégia é a direção de longo prazo de uma organização). Tão simples quanto isso.
Contudo, eu acho que essa definição também é incompleta, dado que existem momentos - principalmente momentos imprevistos - que devemos trabalhar para o curto prazo, literalmente para que fazer o negócio sobreviver. Aí a estratégia é unicamente garantir a que a empresa se mantenha de pé e atuante no mercado, como aconteceu na pandemia, entre os anos de 2020 e 2021
Eu entrei na Sympla em Março de 2020, coincidindo com o momento que a pandemia chegou aqui no Brasil. Na semana seguinte da minha chegada, foi decretado lockdown nacional.
Como uma empresa que tinha seu modelo de negócio fundamentado em eventos presenciais, a Sympla amargou um ano e meio de luta. Nesse tempo, não havia espaço para pensar no longo prazo, apenas no curtíssimo prazo. As decisões eram tomadas de um dia pro outro. Visão de 5 anos foi pro lixo. Até mesmo por que depois da pandemia, já sabíamos que para o mercado de eventos, bastante coisa poderia mudar. Não apenas no mercado, mas principalmente na forma da Sympla de estruturar, atuar e lidar com o. seu negócio.
Nesse caso, os fundamentos mais essenciais da empresa não mudaram. A Sympla continuou, antes, durante e após a pandemia com sua proposta de valor mais fundamental que é simplificar a conexão das pessoas com momentos únicos por meio da tecnologia. Desde a pandemia essa proposta se fortaleceu. A empresa criou uma área de digital, construiu produtos para que organizadores e criadores possam vender e distribuir seus conteúdos online por meio de uma plataforma confiável.
Estratégia não pode ser estática. Se for, ela racha e se quebra com a pressão de forças externas (olha o Porter aí novamente), sejam essas forças vindas do mercado, concorrentes, de clientes ou até da natureza.
Os níveis da estratégia na visão militar
Definimos a estratégia durante todo o início do livro como um posicionamento único e sustentável da empresa perante o mercado e seus concorrentes, por meio da sinergia das suas atividades. Mas a estratégia é formada por várias camadas além da própria estratégia. Fica fácil entender isso a partir da visão militar.
O conceito de estratégia no âmbito militar é formado por vários níveis. Os nomes desses níveis irão diferir um pouco dos nomes usados na estratégia corporativa, mas a analogia é totalmente equivalente.
Os 4 níveis na estratégia militar de guerra são:
- Política: O nível mais alto, onde são arranjados acordos e relações nacionais e internacionais, onde se determina os motivos e as decisões de ir ou não para uma guerra. Carl Von Clausewitz, um general do Reino da Prússia, grande teórico sobre guerra, diz que a guerra é uma continuação da política por outros meios;
- Estratégia: Dado que a decisão de ir para guerra foi afirmativa, nesse nível é onde acontece a condução e os direcionamentos mais macros da guerra. É aqui que se define objetivos que irão direcionar a vitória. Em outras palavras, é esse nível que define o "como ganharemos essa guerra";
- Operação: Neste nível é onde definimos o como, quando, onde e qual o propósito as forças militares atuarão em combate para arrasar com o adversário. As operações definem basicamente quais missões e objetivos serão alcançados no campo de guerra. Aqui a analogia com o mundo corporativo pode causar confusão. No jargão militar, a operação é o que link do tático com a estratégia. No mundo corporativo, isso é basicamente o que chamamos de tático ou execução;
- Tática: Esse é o nível da execução da guerra em si. É basicamente a realização do que foi planejado no nível de operação. É a batalha, onde os soldados se enfrentam. Geralmente essa fase começa 48 horas antes da realização do fato em si;
É interessante notar que o nível operacional só foi oficialmente introduzido na disciplina de guerra na década de 1980[41]. O nível tático sozinho não consegue alcançar os objetivos estratégicos ou ganhar a guerra. Os resultados das ações táticas são úteis apenas quando conectadas com o contexto desenhado pelo nível de estratégia e orquestrado pelo nível operacional.
Os níveis de estratégia na visão corporativa
Para ficar mais coerente para a nossa realidade, é necessário fazer uma mudança entre as analogias militar e corporativa, invertendo os níveis de Operacional e Tático, mantendo os significados e as responsabilidades dessas camadas. O nível da política não existe no conceito corporativo. Na verdade, ela é necessária quando as empresas tem um impacto ou são impactadas por regulações, regras e leis conectadas com o governo e a sociedade. Mas eu enxergo que ela faz parte da camada de estratégia. Logo, um desenho mais correto para a realidade corporativa que vivemos seria:
Eu vou detalhar melhor todas essas camadas durante o livro. Por agora, vou focar muito mais nos tipos de quebra da estratégia.
O livro Exploring Strategy[42] quebra o desdobramento estratégico em três partes, sendo eles:
- Corporate Strategy: nível que define o escopo da organização e como seu valor é entregue pelo negócio todo. Quais locais e segmentos atuaremos, definição de aquisições de novos negócios, parcerias e se vamos ou não para fora do país... ou seja, todas as decisões que impactam a empresa na totalidade. As decisões nesse nível de estratégia também servem para delimitar a atuação da empresa. É aqui que a empresa define se venderá carros e não frutas. Essa delimitação é importante para a empresa focar no que é importante;
- Business Strategy: nível onde as frentes de negócio definem suas estratégias de atuação em seus respectivos mercados. Nesse nível de estratégia é onde nos preocupamos com inovação, escala e movimento de competidores. É aqui que decidimos quais produtos e serviços entregaremos para os nossos clientes. Esse nível precisa ser um desdobramento claro do nível anterior, o Corporate Strategy.
- Functional Strategy: nível que define como se estrutura a execução em si e em como a empresa irá se estruturar em termos de recursos, processos e pessoas para entregar o que foi delimitado no nível de Business Strategy e no nível de Corporate Strategy. É aqui que entram decisões de nível de produto. Em grandes empresas, esse escopo pode ser um pouco maior, mas ainda assim tem a ver com o nível de execução. O Functional Strategy precisa estar muito bem conectado com o Business Strategy.
Queria abrir um parêntese sobre um assunto: essa imagem também explica como a hierarquia nas empresas é erroneamente formada. A sociedade é acostumada a pensar que quanto mais próximo da decisão de qual será o posicionamento estratégico desejado, maior deve ser o seu cargo e consequentemente o seu salário, porque teoricamente você tem mais importância e poder na hierarquia. É isso que chamamos evolução de carreira.
Acreditamos que estar próximo da estratégia ou de definir a estratégia, é uma maneira de medir performance de carreira. Acho que isso é uma tremenda mentira. TODOS os níveis são importantes em seus respectivos contextos. Obviamente, cada um dos níveis exigem talentos, experiências e conhecimentos diferentes para que as decisões sejam bem tomadas. Quem nunca ouviu uma frase parecida com "perdeu-se um bom técnico e ganhou-se um mau gestor"? É, ou deveria ser, completamente normal, ficar no nível de execução.
Entendo que sucesso profissional esteja muito mais relacionado à impactos gerados em pessoas e na empresa, do que no cargo em si. Fechando o parêntese.
Detalhando os níveis e entendendo camadas intermediarias
Como vimos no capítulo anterior, a estratégia de produto está dentro do contexto tático do negócio, e é uma derivação direta da estratégia de negócio, principalmente quando a empresa é de tecnologia. Do mesmo jeito que o negócio precisa fazer escolhas e saber qual o seu posicionamento, o produto precisa entender como se posicionar para o negócio cumprir com seu objetivo. Nesse momento, o objetivo é que você tenha muito claro como desdobramos desde a estratégia da empresa até a execução do produto.
Muito provavelmente o time de estratégia da empresa - ou de processos, agile e ProductOps - já deve usar algum desdobramento parecido, o que é bom, pois a quebra é bastante flexível para facilitar conversas com times e outras áreas, tanto para alinhar quanto para criar colaboração de iniciativas.
Eu começo a quebra da estratégia com três principais perguntas:
- POR QUÊ deixa claro qual o nosso motivo principal de existir. Ele justifica e dá argumentos para embasar e fortalecer nossas ações e atividades;
- O QUÊ detalha exatamente o que nós queremos resolver, onde queremos nos posicionar, impactos que queremos gerar em quais segmentos ou mercados que atuaremos;
- COMO nos diz quais as nossas oportunidades, iniciativas e abordagens de soluções que iremos executar para alcançar nossos objetivos e realizar nosso motivo de existir.
Nós podemos detalhar mais essas perguntas, para que possamos especificar melhor nossos direcionadores.
Vamos tomar um pouco de tempo para tentar absorver os pontos exibidos nessa imagem.
O que vem antes da estratégia
Missão e visão: quebrando o racional comum
As declarações de missão e a visão, fazem parte da camada que descreve a proposta da empresa, os motivos pelos quais a empresa faz o que faz, que também pode justicar a maneira como ela faz e entrega seu serviço para o mercado e seus clientes. Essas declarações ajudam na construção e manutenção da cultura da empresa, ajudando a definir por quais princípios e valores a empresa prefere atuar com seus funcionários, clientes, parceiros e o mercado.
Existe uma linha de raciocínio onde a visão é a forma com que a empresa busca alcançar a sua missão. É isso que o mercado faz até hoje e é isso que grande partes das empresas não revisitaram nos últimos anos.
Eu não quero chover no molhado dando o exemplo da Patagonia. Mas ela mudou sua declaração de missão e visão recentemente[43]. A missão de quatro décadas era: "Build the best product, cause no unnecessary harm, use business to inspire and implement solutions to the environmental crisis." Numa tradução livre: "Construir o melhor produto, causar nenhum dano desnecessário, usar os negócios para inspirar e implementar soluções para a crise ambiental".
Mas para Yvon Chouinard[44], fundador da Patagonia, essa declaração de missão não era suficiente. Então, em Dezembro de 2018, ele informou aos funcionários que a declaração de missão da empresa mudou para algo mais direto, urgente e cristalino. Traduzindo livremente: “A Patagônia está no negócio de salvar o nosso planeta natal”.
A ideia dessa mudança foi justamente mostrar que o assunto de cuidar do meio ambiente e a forma com que lidamos com os recursos naturais é urgente para a empresa, não está focado apenas nas mudanças climáticas, mas na crise que enfrentamos com o clima e outros aspectos da natureza e o meio em que vivemos[45].
A visão da Patagonia para alcançar ou perseguir essa nova missão é até então é: Use of all its resources to protect life on Earth.” Traduzindo livremente: "Usar de todos os seus recursos para proteger a vida na Terra". Totalmente conectada com a sua missão e sua forma de pensar sobre como lidar com a natureza e o planeta.
Outro exemplo é a Microsoft que mudou de missão durante a liderança do Ballmer e mudou novamente quando o Satya iniciou sua presidência[46]. As duas missões não são tão diferentes assim, mas a do Satya com certeza é mais atual e com uma visão mais ampla de atuação.
A visão do Bill Gates: "Um computador em cada mesa e em cada casa".
Em 2013, o Ballmer mudou a missão para: "Criar uma família de dispositivos e serviços para indivíduos e empresas que capacitem pessoas em todo o mundo em casa, no trabalho e em movimento, para as atividades que mais valorizam."
E quando o Satya entrou, a missão ficou: "Empoderar cada pessoa e cada organização no planeta para alcançar mais."
A missão do Bill Gates seja bastante acionável, ficou bastante ultrapassada, exatamente por que estamos vivendo num mundo mais tecnológico, onde não usamos apenas computadores, mas também celulares e outros dispositivos e tecnologias.
Embora a missão tenha sido modificada duas vezes para direcionar e focar a empresa para novos modelos de negócios que a Microsoft iria explorar, a visão se manteve a mesma. Embora não tenha encontrado no site da Microsoft a declaração de visão, o próprio Bing me deu uma referência[47], onde diz que a visão da Microsoft é:
Criar tecnologias inovadoras que sejam acessíveis para todos e que se adaptam a cada necessidade das pessoas. -- Declaração de visão da Microsoft - https://www.notesmatic.com/microsoft-vision-mission-and-values/
A partir desse contexto, quero dizer que tenho uma visão inspirada pelo Simon Sinek, onde precisamos explicitar a causa que estamos defendendo com o nosso negócio. A causa nesse caso, viria antes da missão e da visão. O que me faz mudar um pouco a linha de raciocínio que o mercado usa por aí, onde a missão e a visão são coisas que devem ser perseguidas, que teoricamente não são alcançaveis, mas guias inspiracionais para guiar a empresa. Mas eu acho que o que deve ser perseguido é uma causa e não a visão ou a missão, que deveriam, na minha opinião ser alcançadas em algum momento. Por isso que eu defino eles como algo que poderia levaria entre 5 e 10 anos.
Mas como você viu nas definições de missão e visão da Patagonia, elas são altamente complexas de serem alcançadas. Pode até ser tecnicamente alcançáveis, mas não de forma realista. Mas a bandeira de Causa Justa deles, ou seja, sustentabilidade é algo realmente inatingível.
Ter uma missão cumprida e uma visão alcançada não é algo fácil. Contudo, eu entendo que elas precisam ser alcançadas em algum momento. Entendo como falha não conseguirmos cumprir com uma missão. Mas se manter numa causa, que direciona sua visão, missão e cultura, é muito mais difícil, porque isso tem a ver com os seus valores e princípios.
Contudo, entenda que essa é a minha maneira de ver as coisas e no dia a dia isso vai mudar bastante. Para falar a verdade, não vai ter tanta importância assim o nome que a sua empresa usou para definir as coisas... se é missão, visão, causa justa... tanto faz, contanto que ela defina declarações que sejam direcionadores claros. Aqui no livro estou usando a abordagem de missão e visão como sendo declarações de longo ou longuíssimo prazo.
A Causa Justa, a visão e a missão são sobre como a empresa pode ser a melhor do que ela mesma AGORA, ou seja, melhor do que ela já foi, competindo com ela mesma para melhorar a forma com que cria e executa negócios, lida com as pessoas e constrói negócios éticos, lucrativos e longevos.
Sobre a Causa Justa
Geralmente, quando você chega numa empresa, a base estrutural já está montada. Exceto se você abrir sua própria empresa, é muito improvável que você mudará pilares fundamentais que criam a identidade, valores e princípios de comportamento e cultura, ou de como isso influência as percepções que os funcionários, clientes, acionistas e sociedade têm em relação a empresa.
A estratégia da empresa é uma derivação de algo muito mais essencial do que apenas uma decisão do board diretivo. A estratégia serve para colocar a empresa em uma posição única, disso já sabemos. Mas qual o motivo pelo qual queremos chegar nessa posição tão privilegiada?
Eu não sei se você já tomou a decisão de empreender em algum momento da sua carreira. Se não, eu sugiro que o faça em algum momento. É uma experiência importante para você conhecer alguns mecanismos e funcionamentos de como se constrói uma empresa. Eu já passei 6 anos da minha vida empreendendo. Ajudou muito na minha formação como pessoa e principalmente como profissional. Enfrentei problemas que eu nunca enfrentaria de outra forma e aprendi sobre assuntos que eu nunca teria sabido da existência se não tivesse aberto minha própria empresa. Você acaba entendendo como a política atrapalha sua vida, como pessoas dependem do emprego que você cria e principalmente como empreender não é o único caminho para ganhar dinheiro ou satisfação pessoal.
"Os melhores [empreendedores] com quem me deparei respeitam o dinheiro pelo o que ele pode fazer para transformar a realidade, não por ele poder comprar pedaços da realidade que está aí" --- Fagundo Guerra, Empreendorismo para Subversivos
Uma das primeiras coisas que um empreendedor faz, mesmo sendo de forma espontânea e muitas vezes não consciente, é definir a Causa Justa da empresa. É a partir da Causa Justa que você estrutura o resto e é ela que vai ser o principal direcionador, não apenas de cultura, mas principalmente de postura de negócio.
O que é a causa justa
A Causa Justa é um termo cunhado pelo Simon Sinek no livro O Jogo Infinito[48].
É necessário existir uma conexão clara das atividades que executamos todos os dias com os objetivos estratégicos da empresa. Esses objetivos precisam estar inteiramente conectados e direcionados para possibilitar o alcance da visão, definida lá atrás pelos fundadores.
O Sinek chama essa visão de Causa Justa, posicionada acima do propósito, que por sua vez está interligado com a missão/visão de futuro da empresa. Diferente da Causa Justa, a missão da empresa precisa ser alcançada em um momento. Uma empresa falha quando não cumpre com a sua missão ou que trabalha numa mesma missão durante a vida inteira. A missão é um objetivo de longuíssimo prazo. Para mim, algo em torno de 10 anos seja um bom proxy para "longuíssimo prazo". A Causa Justa fica acima dessa missão. Ela não é alcançada e nem esgotada pelo tempo. O WHY do Golden Circle (também criado pelo Sinek), estaria abaixo dessa Causa Justa e se coloca como um dos fundamentos de criação da essência da empresa tendo como inspiração a Causa Justa.
Uma Causa Justa é uma visão específica do futuro; uma visão tão atraente que as pessoas se disponham a fazer sacrifícios para ajudar a alcançá-la. --- Sinek, Simon. O jogo infinito (p. 37). Sextante. Kindle Edition.
O Sinek diz que a Causa Justa é o que dá significado ao nosso trabalho e está inteiramente ligada ao nosso propósito de vida. Aliás, o seu propósito pessoal precisa ser refletido na Causa Justa da empresa e vice-versa. Poucas coisas na vida profissional nos trazem mais satisfação do que trabalhar em uma empresa cuja Causa Justa potencializa sua visão de vida. Todas as atitudes das pessoas na empresa contam para fundamentar e enraizar uma cultura que enaltece a integridade pessoal, exalando a Causa Justa e a cultura empresarial, ou estimula atitudes que refletem um declínio moral.
A Causa Justa não tem esse nome a toa. Ela é uma Causa que a empresa decide defender. Quando o fundador cria uma empresa, geralmente ele quer resolver um problema essencial. Ele quer beneficiar as pessoas de alguma forma, seja resolvendo um problema latente ou potencializando algo de bom que já existe. Essa Causa é colocada em primeiro lugar e faz com que a empresa percorra seus desafios para defender essa causa.
A Causa Justa tem 5 características que a definem:
- Ela defende: isso quer dizer que a Causa Justa expressa muito mais o que você e a empresa defende do que vocês enfrentam (concorrentes, desafios do negócio etc) ou atacam (segmentos, problemas etc).
- É inclusiva: a Causa Justa atrai pessoas com pensamentos diferentes, mas que queiram contribuir para uma mesma causa. Ela inspira todas as pessoas de qualquer especialidade da empresa, de forma que essas pessoas se sintam valorizadas.
- É orientada a serviço: com o intuito de beneficiar não apenas a empresa, mas também os consumidores. Isso quer dizer que não faz sentido fazer algo que só tenha valor para empresa e que isso não reflita, de alguma forma, para os usuários.
- É resiliente: não deve ser baseada em algo frágil como uma regra, uma tecnologia ou uma cultura. Essas coisas podem sumir, mudar e se transformar com o tempo. A Causa Justa deve resistir às mudanças.
- É idealista: a Causa Justa é um ideal que não pode ser resumida apenas para alcançar um determinado objetivo. Ela precisa ser algo nobre, que talvez possamos devotar nossos ideais pessoais e profissionais para persegui-la.
Como vimos, o assunto sustentabilidade é muito maior do que a missão da Patagonia de salvar o planeta. Embora, salvar o planeta seja uma missão difícil e muito complexa de se cumprir. Mesmo assim, sustentabilidade é um assunto muito mais amplo. A Patagonia está focada em sustentabilidade ambiental, mas também tem impactos na sustentabilidade do negócio, além de conseguir direcionar esforços para influenciar a sociedade e outras empresas a abraçarem a mesma causa.
Outro exemplo é a Declaração de Independência dos Estados Unidos[49] também é um exemplo sobre Causa Justa. A declaração dos EUA descreve que a vida, liberdade e a busca pela felicidade são direitos inalienáveis de todas as pessoas. Essa é uma visão ideal inspiradora, de forma que os cidadãos podem comprometer a sua honra, suas fortunas e suas vidas para construir e defender tal ideal. De certa forma todas as nações buscam ou deveriam buscar defender uma causa similar, lutando constantemente em prol da manutenção e criação de direitos fundamentais para todas as pessoas que formam sua nação.
Essa é uma grande característica da Causa Justa: ela é infinita. Ela não acaba. Ela inspira uma série de missões e propósitos diferentes para diversos grupos, que embora tenham umas percepções de vida e experiências diferentes sobre um mesmo assunto, eles defendem, à sua maneira, essa causa.
E a Causa tem que ser Justa. Ela deve ser tão honesta, que faz com que as pessoas escolham sacrificar decisões pessoais para defendê-la. É isso que penso que as pessoas deveriam procurar em suas profissões. Elas deveriam direcionar suas energias cognitivas e seus talentos para algo que realmente valha a pena. Você não defende a empresa, mas a causa que a empresa escolheu defender.
Veja bem: Causa Justa, Missão e Propósito, já estão decididas desde os primórdios da empresa. Muito dificilmente as pessoas que chegam depois conseguem mudar esses pontos. Elas precedem a estratégia. A estratégia deve seguir as delimitações definidas pela Causa Justa, Missão e Propósito. Caso contrário, o discurso será muito incoerente do ponto de vista de cultura empresarial e também de imagem e marca externa da empresa, além do que é expressado para os funcionários.
Exemplo: desdobrando as camadas de uma empresa de streaming de música
Deixando um pouco mais tangível toda essa quebra, vamos usar como exemplo uma empresa de streaming de música. Usarei essa mesma empresa em outros momentos para tentar manter a linha de raciocínio.
Na minha visão, é totalmente possível fazer uma seleção dos indicadores de negócio que servirão como goals, pois geralmente esses indicadores são bem acionáveis por diversas áreas da empresa.
A seguinte imagem possa uma possível quebra dessas camadas:
A partir do nível de oportunidades, nós não vamos ter apenas uma "caixa" como nesse exemplo, mas várias, representando uma série de frentes que a área explorará para tentar alcançar a estratégia. A mesma coisa acontece com as iniciativas e épicos. Isso se torna a verdadeira árvore de oportunidades.
É importante que todos os níveis mantenham uma conexão claramente identificável por todos na empresa. Isso cria foco, estabelecendo um senso de eficácia nas áreas e times envolvidos na execução.
Período das fases
Essa é uma resposta que pode mudar bastante de empresa para empresa. Então, não leve ao pé da letra. Mas, minha opinião é mais ou menos assim:
- Causa Justa: quase eterna, não muda. Ela é tão abundante e tão genérica, que muitas empresas podem adotá-la de formas diferentes;
- Visão e Missão: Na minha perspectiva, longo prazo é algo de 5 a 10 anos. Lembrando que pode haver mudanças de percurso nesse tempo, mas a visão deveria estar num nível genérico o bastante para comportar várias estratégias durante o período;
- Estratégia: Médio prazo, contando com algo de 3 a 5 anos, talvez. Vejo a empresa tentando executar duas estratégias facilmente dentro do período de 10 anos.
- Oportunidades: aqui eu enxergo algo como 1 ano. Para que uma ou várias áreas explorem uma oportunidade, é necessário ter um tempo relevante para que possamos errar, mudar de caminho, tentar várias abordagens, ou até mesmo afinar o que conseguimos acertar;
- Iniciativas: Deveria durar um ou dois trimestres no máximo. Aqui já é uma área bastante dinamica, onde os times deveriam ter autonomia para mudar, obviamente comunicando as motivações para tal mudança;
- Épicos: Período mensal ou bimestral. Esse nível precisa ser entregue rápido, porque basicamente é nele que começaremos a ver algum benefício entregue para o usuário, que vai se tornar resultado para empresa. Um épico durar o trimestre inteiro não deveria existir.
No roadmap, eu gosto de colocar no nível de INICIATIVA quando o report é algo mais geral, digamos, anual. E ter uma outra versão, para report de trimestre, com o nível dos épicos.
Tudo é uma questão de POR QUÊ e COMO
Para criar mais coerência entre todos os níveis, eu gosto de usar a análise de justificativa e motivação. A camada que está abaixo sempre vai ser o COMO iremos realizar a camada anterior. E a camanda de cima, sempre será a justificativa para a camada de baixo. A seguinte imagem pode exemplificar melhor:
Começando pelo COMO, a dinâmica das perguntas é mais ou menos assim:
- COMO chegaremos perto da nossa causa? Por meio da visão e missão adotadas;
- COMO vamos alcançar nossa visão e missão de longo prazo? Por meio da estratégia X, com o segmento Y, no período de X anos;
- COMO vamos realizar a estratégia? Explorando as oportunidades XYZ ou resolvendo os problemas ABC;
- COMO vamos explorar essas oportunidades e problemas? Por meio das iniciativas ABC que serão impactadas pelas features XYZ;
Perceba que cada uma das camadas tem uma resposta de COMO serão realizadas no dia a dia.
Agora, fazemos o caminho inverso, onde cada camada precisa ter uma resposta coerente que justifica nossas decisões. Começando pelo nível de EXECUÇÃO, a dinâmica ficaria assim:
- Estamos criando feature X ou fazendo iniciativa POR QUE decidimos explorar oportunidade A ou resolver problema B;
- Decidimos explorar oportunidade A ou resolver problema B POR QUE nossa estratégia é Y, se posicionando de maneira X;
- Nós decidimos pela estratégia Y, se posicionando em X POR QUE queremos alcançar a nossa visão e missão em X tempo;
- E queremos alcançar essa visão e missão POR QUE nós adotamos uma causa de proteger X, defender Y, potencializar Z.
Para ter um exemplo mais real, vamos usar a empresa de streaming que vimos anteriormente. A imagem ficaria assim:
Se você fizer o exercício que expliquei anteriormente, você vai perceber que todas as camandas conseguem se conectar de forma coerente.
- COMO iremos nos tornar uma plataforma mundial para criadores em 10 anos? Permitindo que artistas e criadores explorem novos modelos de negócio por meio de vídeo, áudio e texto;
- POR QUE vamos criar uma feature para artistas distribuirem conteúdos por assinatura? POR QUE queremos aumentar a remuneração de artistas e criadores se por meio de conteúdo multiformato;
Experimente fazer essa quebrade camadas no seu produto atual e identifique possíveis incoerências nas respostas. É muito possível que você identifique que o que está sendo feito hoje pelo time, não esteja conversando com os direcionamentos estratégicos da empresa. É importante entender se isso é um sintoma de um problema maior ou se é algo contextual e momentâneo.
O mínimo para entender como o negócio funciona
Quando você é responsável por decidir e desdobrar qualquer direcionamento estratégico, é muito fácil cair na armadilha de voar muito alto ou muito baixo. Esse problema é muito mais comum em cadeiras de média ou alta liderança. Não faz sentido a diretoria voar em altitudes mais baixas, já que a responsabilidade deles é visualizar o mais longe possível no horizonte e ter uma visão mais ampla dos possíveis caminhos.
Embora PMs não decidam a estratégia do negócio, é necessário entender profundamente a estratégia macro da empresa, para que o desdobramento da camada tática e as decisões tomadas ali tenham a garantia de que causarão os impactos pretendidos.
Entendendo que a estratégia do produto, muitas vezes, é o reflexo quase que exato da estratégia do negócio, eu não acho que a estratégia, o tático e o operacional/executivo de produto se dá sem no mínimo conhecer a estratégia do negócio.
Quem nunca ouviu PMs reclamarem de mudança drástica de priorização e top down? Talvez você já tenha sido uma dessas pessoas. Eu já fui. E, no meu caso pelo menos, era por pura falta de visão holística do todo. Esse deve ser o mesmo erro de grande parte do mercado: ficar focado apenas no operacional, com o olho colado no Jira, administrando o que o time tem que entregar em vez de entender as mudanças que acontecem antes desse processo.
Entendo que existem muitos líderes totalmente descolados da realidade do time que mandam e desmandam, que acham que o time e o produto estão ali para realizar seus desejos. Mas confiarei em você para ter o discernimento para saber quando esse for o caso.
Entender a estratégia da empresa e do negócio, é um exercício constante, para saber exatamente onde focar esforços e prever mudanças de percursos. Logo, não é apenas nas decisões do board que você deve ficar atento, mas nos movimentos do mercado, e isso inclui concorrentes e usuários.
Dito isso, eu tenho uma forma pessoal para organizar esse entendimento do mercado, desdobrando até a fase de priorização de time. Quero explicar esse formato agora, de maneira que você faça uma analogia para a sua forma de pensar e talvez até criar a sua própria sequência de lógica.
Ela se resume basicamente em três grandes passos:
- Entender e conhecer a estrutura e os mecanismos do negócio;
- Pré-priorizar oportunidades que ajudam a empresa a entregar valor para as partes;
- Priorizar iniciativas acionáveis e executivas, criando um backlog saudável;
Essas fases tem seus próprios desdobramentos e usam métodos facilmente customizáveis ou substituíveis.
A estratégia do negócio pode mudar conforme o comportamento do mercado, definições de acionistas ou até mesmo se adaptar para contemplar novos modelos de trabalho. Mas ainda assim, a estrutura do negócio não é algo que se modifique com frequência. Você não muda de mercado drasticamente o tempo inteiro, você expande o mercado de atuação. Você não muda todos os dias os segmentos de clientes que você atua, você expande os segmentos ou foca em problemas diferentes de um mesmo segmento.
Para entender essa estrutura eu realizo três exercícios bem simples:
- Preencho um BMC (Business Model Canvas);
- Desenho uma estrutura de visão de plataforma;
- Monto o desenho de efeito de rede (flywheel) do negócio;
Business Model Canvas
Escrevo bastante no Product Oversee e no meu blog sobre estruturas de plataforma e efeito de rede, mas raramente cito como monto esses modelos. Durante muito tempo eu desenhava as estruturas de plataforma e efeito de rede de forma muito orgânica, sem grandes estudos sobre a empresa. Então eu notei que o Business Model Canvas poderia facilitar muito a minha vida e eu já usava com frequência para entender os negócios das empresas.
O Business Model Canvas é um framework criado pela Strategyzer[50], visando facilitar a descrição do modelo de negócio da empresa, mapeando riscos, proposta de valor, segmentos de mercados e outras características que fundamentam a sistemática de funcionamento do negócio.
A versão mais simples do BMC mapeia nove características do negócio:
- Segmentos de clientes;
- Proposta de Valor para esses clientes;
- Canais de atuação para esses clientes;
- Relação com esses clientes;
- As linhas de receita geradas;
- Recursos-chave, necessários para a execução das atividades;
- As atividades-chave que criam valor para o cliente;
- Os parceiros chave, que ajudam a construir o modelo;
- A estrutura de custos;
Mapeando e respondendo todas essas características, você ter clareza sobre como o modelo de negócio utilizado pela empresa funciona. Para facilitar o entendimento, proponho criarmos aqui uma empresa fictícia cujo produto é uma plataforma de streaming de áudio e conteúdos digitais chamada Soundfy.
Obviamente essa é uma visão muito simplificada do BMC da Soundfy, eu não quero passar todo o segredo desse negócio para você. Mas o que já está aí é suficiente para você entender mais ou menos como essa empresa fictícia funciona.
Visão de Plataforma
Ter um Business Model Canvas bem preenchido é a base para o nosso próximo passo que é a construção da visão de plataforma. Tecnicamente você precisa ter apenas os espaços de Customer Segments, Value Proposition, Key Activities, Key Partners e Revenue Streams preenchidos adequadamente, por que eles servirão como base para a criação desse desenho.
Eu já falei bastante sobre Service Dominant-Logic e visão de plataforma no meu outro livro[51], então, não vou entrar em muitos detalhes sobre esse assunto. Por isso sugiro você procurar alguns livros[52] de referência sobre o assunto para se aprofundar mais.
Mas o resumo desse assunto é: antigamente as empresas tinham um modelo de negócio mais inflexível, onde elas se posicionavam como as controladoras da cadeia inteira de entrega de valor. Elas controlavam os meios de produção, distribuição e venda dos produtos. Obviamente esse é um modelo difícil de manter e escalar. Mas é uma forma de criar monopólios e escala de defesa no mercado.
Quando nos referimos que uma empresa precisa é uma plataforma, o modelo seguido é bastante diferente do modelo de "pipeline" comentado anteriormente, ao invés disso, as empresas seguem um modelo de negócio que usa a tecnologia para conectar e orquestrar pessoas e organizações em um grande ecossistema. Nesse ecossistema acontece a troca de valor entre as partes, logo, o valor ou os recursos trocados no ecossistema não precisam ser criados pela sua empresa, mas por terceiros. Muito por isso tem aquela história de que o Airbnb é a maior empresa hoteleira do mundo sem possuir nenhum hotel. Que o Uber tem a maior frota de táxis sem nem possuir um carro. O que eles fazem é apenas o controle do fluxo de troca de valor e recursos entre as partes.
Logo, o objetivo da sua empresa seria viabilizar essa plataforma para que as partes pudessem estabelecer seus negócios, potencializando e facilitando a percepção de valor pelos usuários.
Se trouxermos esse modelo para a nossa empresa fictícia de audio em streaming, nós teremos algo como a seguinte imagem:
Os quadradinhos em volta da sua empresa ou produto, que forma o ecossistema, são os parceiros chave e os segmentos dos clientes que a empresa escolheu impactar. Ambos já estão listados no Business Model Canvas (BMC).
A proposta de valor da empresa também está presente nas setas, que indicam a troca de valor dos integrantes com a sua empresa. Perceba que a empresa sempre centraliza a troca de valor. Os integrantes não trocam valor diretamente entre eles, isso iria descaracterizar o modelo de plataforma.
Essa plataforma descreve como a troca e a integração de valor e recursos é feita pela sua empresa entre os participantes do ecossistema. Mas essa troca de valor precisa ser potencializada de forma que ela tenha força para escalar e entregar de forma contínua valor para toda a cadeia de integrantes. Fazemos esse mapeamento por meio da descrição do efeito de rede, gerado a partir desse desenho de plataforma.
Montando o efeito de rede
O efeito de rede é o principal dispositivo utilizados pelas empresas de tecnologia escalarem mais rapidamente do que empresas tradicionais. Ela se baseiam fundamentalmente no desenho de plataforma.
A principal responsabilidade das empresas baseadas no modelo de plataforma é potencializar esse efeito para que o ecossistema se beneficie na totalidade. A empresa responsável pela plataforma, deveria encontrar gatilhos, alavancas e dispositivos para que o valor seja trocado de forma escalável e de maneira constante entre os integrantes da plataforma.
O efeito é essencialmente um sistema cíclico de geração de valor. Isso quer dizer que eventos que acontecem dentro desse ciclo, devem potencializar o valor entregue na plataforma:
- Quanto mais artistas temos, maior o nosso acervo de música;
- Quanto maior o nosso acervo de música, mais atraímos ouvintes;
- Quanto mais ouvintes na plataforma, maior o tempo de músicas ouvidas;
- Quanto mais músicas ouvidas, maior é a geração e distribuição de receita;
- Quanto mais receita, mais artistas se interessam e entram na plataforma, aumentando o acervo de músicas e dando continuidade ao ciclo;
É importante você notar que existem algumas classificações dentro desse efeito de rede:
- Integrantes da plataforma: os ARTISTAS, OUVINTES, PLATAFORMAS são os integrantes participantes da plataforma. Eles expandem as atividades da plataforma, entregando valor e criando resultados;
- Resultados: são os impactos e artefatos gerados pelas ações na plataforma que irão ativar uma ação. O uso da plataforma pelos usuários geram dados de comportamento que ajudam a plataforma a recomendar melhores músicas. Recomendar melhor estimula o usuário a passar mais tempo ouvindo. No desenho, está representado por ACERVO COM MÚSICA, PROPAGANDA, RECOMENDAÇÃO, DADOS e DISPONIBILIDADE;
- Ações potencializadoras: as ações que os usuários executam na plataforma que disparam todos os outros efeitos. No caso do nosso exemplo, é PASSAR MAIS TEMPO OUVINDO MÚSICAS e CRIAÇÃO DE PLAYLISTS;
Um efeito de rede não sobrevive sozinho. É como se fosse um motor de serra elétrica movido a diesel, você precisa puxar a cordinha para ele pegar no tranco. Aqui é a mesma coisa. O que nos levanta algumas perguntas importantes:
- Como aumentar a quantidade de ouvintes?
- Como aumentar a quantidade de artistas?
- Como aumentar o tempo de músicas ouvidas?
- Como aumentar o acervo de músicas?
Se você responder essas perguntas, você consegue aumentar seu objetivo final seja lá o que for. Além disso, respondendo à essas perguntas, você identificará caminhos para expandir esse efeito de rede, descobrindo que existem outros gatilhos de potencialização. Esses outros gatilhos são oportunidades a serem exploradas e validadas pelo time de dados, design e produto:
- Será que realmente você precisa de novos artistas para gerar mais músicas ou você pode estimular artistas da base a criar mais músicas? Como você pode ajudá-los a criarem mais conteúdo?
- Será que conseguimos aumentar tempo de uso da plataforma sem a necessidade de trazer novos usuários? Como engajamos usuários existentes?
- Como podemos aumentar a recomendação de músicas e artistas que o usuário nunca ouviu, mas que tem grande possibilidade de fazê-lo passar mais tempo na plataforma? Playlists?
As oportunidades são grandes hipóteses que podem se desdobrar para várias iniciativas. Contudo, essas oportunidades não podem surgir do improviso, você precisa planejá-las, estudá-las, classificá-las e então priorizá-las. É aí que você começa a pilotar o seu produto para a direção mais correta de encontro com a estratégia da empresa, por meio do planejamento tático, como veremos no próximo capítulo.
Concluindo
Eu sugiro que você tente aprofunde de verdade na estratégia da empresa que você atua hoje. Com certeza você consegue fazer sem esperar respostas da liderança. Crie um Business Model Canvas e faça um SWOT. Isso é básico e exatamente por que é básico que todo mundo desdenha desse exercício.
Procure na empresa se esses materiais já existem e faça uma comparação com a sua versão e a versão oficial da empresa. Dessa forma você já estará se preparando para criar argumentos e hipóteses mais assertivas, criando uma estratégia de produto mais conectada com a visão do negócio.
Estratégia é o que une os meios com os fins. Tem a ver com pensamento de evolução contínua sobre a sustentação da posição da empresa no futuro.
Estratégia é uma disciplina que nos ajuda a ter foco. Nos permite delimitar os esforços de todos os times com o propósito de direcionar as energias para um objetivo específico. Se a empresa não se transforma, não se adapta. E se ela não se adapta, ela perde. Perde tempo, market share, dinheiro, pessoas, clientes e relevância.
Então, na minha opinião, estratégia é um exercício grande de introspecção que as empresas devem praticar frequentemente. Estratégia deve mudar junto com o mercado, os clientes e os concorrentes, logo, estratégia não é algo estático, mas algo que deve ser revisitado de tempos em tempos de forma ativa.
Mas aqui é onde todo o cuidado é pouco. Embora estratégia mude, ela não deve mudar com uma frequência muito curta. É necessário dar tempo para que os resultados apareçam e nos indiquem claramente se as decisões trouxeram resultados positivos ou negativos.
Um grande erro é não ter uma estratégia clara e disseminada pelos times, mas esse erro não é pior do que ter uma estratégia que muda o tempo todo. Isso mostra insegurança, desorganização, indisciplina, falta de foco e desconhecimento do ambiente como um todo.
Além disso, precisamos questionar se o destino planejado pela empresa é realmente aquele que queremos alcançar. Só entendemos isso com tempo. E só temos tempo e foco para pensar nisso se disseminarmos a autonomia para nossos líderes e times exercerem o seu direito criativo de decisão, resolvendo problemas com liberdade. E eles só conseguem trabalhar dessa forma com doses abundantes de alinhamento. E alinhamento só vem com a definição da estratégia.
Dominar esse ciclo virtuoso é obrigatório para que possamos criar empresas e serviços digitais que realmente facilitam a percepção de valor pelas pessoas. Pergunte-se:
- A estratégia da minha empresa está clara para mim? E para o time?
- Quais as nossas vantagens competitivas?
- Qual a minha parte na entrega da estratégia? E a parte do meu time?
- A nossa estratégia nos leva para um posicionamento único?
- Nossa estratégia de produto realmente diferencia a empresa das demais no setor?
- Quais a principal proposta de valor que nossa visão deveria transmitir?
- Nossa visão é muito fácil ou impossível de alcançar? Conseguimos medir?
- Como eu poderia fazer mais? O que eu deveria parar de fazer? O que eu deveria começar a fazer?
Estratégia é um exercício de reflexão e escolha. Estratégia é ter visão holística, conhecendo todo o conjunto de decisões que coletivamente movimentam a empresa para uma posição única, direcionada para o sucesso pretendido no mercado escolhido. Não é apenas um passo, mas o conjunto de passos.
Estratégia é o todo, são as partes.
Referências e bibliografia
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- Patagonia's new company mission is to save the planet (fastcompany.com) - https://www.fastcompany.com/90280950/exclusive-patagonia-is-in-business-to-save-our-home-planet ↩︎
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- Patagonia Mission Statement 2023 | Patagonia Mission & Vision Analysis - https://mission-statement.com/patagonia/ ↩︎
- Microsoft has a new mission statement, and it’s basically the same as its old one | Ars Technica - https://arstechnica.com/information-technology/2015/06/microsoft-has-a-new-mission-statement-and-its-basically-the-same-as-its-old-one/ ↩︎
- Microsoft Vision, Mission and values - Notesmatic - https://www.notesmatic.com/microsoft-vision-mission-and-values/ ↩︎
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